sexta-feira, 11 de junho de 2010















tenho para mim que todas as coisas têm uma certa imaterialidade. o corpo respira. a mente figura a respiração do corpo enquanto o peito cresce. ontem estava só e pensei o universo, talvez se vivessemos dentro de nuvens nos doesse menos a falta de oxigénio. depois de pensá-lo encurtei as palavras à espera de silêncios, que me viessem buscar aos sonhos, que a realidade me fecunda desses estados de tempo que não tenho. ontem estava eu, com os membros em frio, gelados por certo pela paciência da espera. estava eu a pensar o universo quando por mim passaram as paisagens, agarradas umas às outras por um fio, quase invisível, de horizonte. chorei com tanta beleza, pensá-las assim na minha frente, quase estáticas, assim para sempre, era como acordar dentro de um nuvem, sem falta de ar. depois lembrei-me de ti, sentado na rua ao frio, lembrei-me dos teus olhos fixos num pedaço de terra, onde a tua mente por certo imagina puder construir uma casa. e lembrei-me de uma casa, creio que a tirei então do bolso, construía com a imagem de fundo das paisagens, agarradas umas às outras, e imaginei-lhe uma árvore grande ao lado, a crescer, cuja copa batia exactamente no fio, quase invisível, de horizonte. fui feliz. talvez porque por instantes tenha acreditado na realidade. talvez porque o meu corpo se tenha imaterializado. ou só apenas porque sustive a respiração. mas fui feliz, ainda que te não consiga explicar onde estava ou para onde ia, ainda que debaixo da pele as lágrimas se solidificassem, ainda que esse estado de tempo me levasse por dentro de uma nuvem, e eu a senti-la, e a nuvem me dissesse de ti, de te ver na rua, à espera. tenho para mim que a impressão das coisas é como cair de uma varanda de três metros. magoar sem morrer. ainda aguardo a impressão do corpo, que me mate de uma vez para sempre e me leve por dentro das nuvens, e me deixe ficar, e me deixe lembrar-te.





por: mar

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quinta-feira, 10 de junho de 2010













levar os olhos ao peito, ver-lhe em crescendo a dor, a ferida aberta. descer a rua com o corpo encolhido num sarcófago. como as árvores cresces para o chão e é teu o destino dos pássaros. caem-te os braços do corpo, seguram-se às pernas, caminham contigo, só mais um pouco. a rua é hexagonal e latem cães, gritos absurdos de fome e medo e raiva e pânico, sobem aos muros com os dentes afiados na pedra. duas pessoas conversam no interior de uma casa e tu interrompes o percurso do corpo para ouvires falar de amor. porque o amor dói como espetar uma faca na pele ou enfiar uma tesoura na boca. sabes que tem razão, que te dói o amor no corpo enclausurado. pendes para um lado, onde te pesam mais no cérebro as memórias, cais. ninguém passa. nos seis ângulos da rua amontoam-se restos de corpos que como o teu não souberam chorar, nem souberam o que fazer, para onde fugir. estás pálido, vem-te à boca o que te alimenta. na boca tens agora a face dela, o jeito dela, o corpo dela, a morrer-te na boca, quase à superfície do corpo. e tu sempre a quiseste ter por dentro, nas entranhas a fazer escavações, a encontrar-te sentidos, a explorar-te emoções. era ali que a punhas de cada vez que a comias, dentro do coração a coser a ferida. chove. talvez mais tarde a consigas engolir de novo. esperas. arrumas o corpo um pouco, encolhes as extremidades e choras .





por: mar

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quarta-feira, 9 de junho de 2010












queria escrever-te sobre o espaço contínuo onde um barco adormece o cais ao colo. tu sabes de que falo quando o silêncio se impõe entre os nossos corpos sós. é por ser de noite dentro das pálpebras e se ouvirem vozes caiadas de deserto fora da pele. queria descrever-te o barco feito por sal e gaivotas em vôos antecipados, tão quieto, um sorriso na proa à espera da maré alta ou do vento de sul. tão quieto. não há sobreviventes nesta imagem, só os meus dois olhos como buracos de luz que o horizonte evoca. falar-te-ei futuramente das estrelas, no mar cativas. esperam que as sereias as libertem. que um deus no mar afogue a escuridão e as falésias sejam pontos de abrigo. e é nas falésias que me nasce o coração quando te lembro. tinha tão pouco para te dar, sempre mais do que podia. hoje não vive em mim mais nada, só as partes do corpo que abraçaste.







por: mar

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