sábado, 31 de maio de 2008

o galo cantou três vezes mas os meus olhos arregalados não quiseram ouvi-lo, choraram sem medo a perturbar a manhã que se levantava devagar lá fora. senti-a bater três vezes no vidro mas não quis prestar-lhe atenção, fiquei ali de peito calado, olhar arregalado sobre o tecto branco, as mãos repousavam em cima da barriga de um corpo deitado que chorava desesperado sem expressão na face. chego hoje aqui com um sorriso rasgado e a cruz na varanda pousada não me anuncia nada, perspicaz teci um riso sereno enquanto os meus pés sentiam um cheiro de corpo ferido. os teus olhos cruzaram os meus já sem vida. o galo cantou três vezes todas as manhãs destes quinhentos e sessenta e cinco dias e todas as manhãs destes quinhentos e sessenta e cinco dias os meus olhos arregalados não quiseram ouvi-lo. o teu corpo tombou morto sobre o chão da calçada onde tantas vezes passeamos as mãos dadas. as horas nunca mais conheceram outro relógio e eu nunca mais conheci outras horas. falei com a voz trémula enquanto os rostos cabisbaixos esperavam o meu abraço, recordo a face da tua mãe com os olhos postos em mim, os olhos de onde nunca vi sair uma lágrima. esperavam que eu mentisse e dissesse que o tempo pode ser revirado, esperavam que eu caísse mas fiz-me forte e com as mãos escondidas atrás das costas apaguei as palavras e deixei que o silêncio respondesse por mim a todas as perguntas que me apertavam o lugar do coração. fugi quando abriram o caixão e descobriram o teu rosto sem vida. fugi de mim para me ser chão, chão pisado por muitos, chão. os teus olhos fechados olhavam as tuas próprias pálpebras enquanto rosas eram deitadas a medo sobre o teu corpo muito bem vestido. e eles foram-se e eu fiquei-me a cozinhar lembranças, a escrever alegrias à mão na pressa dos breves instantes que sempre tive contigo . puxei de uma cadeira e olhei o teu rosto no abandono do que fomos, na ravina do que poderiamos ter sido e no desconsolo de uma morte sem berço num apartamento pequeno e tosco. eram três da madrugada e ninguém te ouviu, ninguém te ouviu gemer como um cão abandonado na rua, gemer com o pescoço atado por uma corda intencionalmente presa na varanda do apartamento pequeno e tosco, o teu corpo pendurado. ninguém te ouviu e o galo cantou três vezes mas os teus olhos arregalados não quiseram ouvi-lo, pai. o galo cantou três vezes todas as manhãs destes quinhentos e sessenta e cinco dias e todas as manhãs destes quinhentos e sessenta e cinco dias os meus olhos arregalados não quiseram ouvi-lo, pai.

por: mar

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sexta-feira, 30 de maio de 2008

vestido vermelho sangue

querias uma casa à beira mar plantada da cor do papagaio azul que te oferecera quando completaste as tuas vinte primaveras, querias uma casa à beira mar plantada meu amor e eu comprei-te uma casa à beira mar plantada e é da cor do papagaio azul que te ofereci. a única coisa que falta a esta casa para ser perfeita é a tua presença, ainda assim gostaria que soubesses que o mar gosta de a vir beijar de vez enquando, não te apoquentes meu amor no início da Primavera eu pinto-a de novo da cor do papagaio, um azul tão profundo como o dos teus olhos. querias uma casa a beira mar plantada da cor do papagaio azul que te oferecera quando completaste as tuas vinte primaveras e eu comprei-ta com todo o dinheiro que juntei enquanto estive longe. quando parti os dias eram mais pequenos que as noites e as folhas bailavam ao som dos meus passos pequenos mas apressados, quando voltei o dia tinha exactamente o mesmo cumprimento que a noite e as folhas embelezavam os ramos das árvores, a porta de entrada tinha o peso dos dias sobre si, as escadas estavam cobertas de musgo e o portão antes verde estava agora coberto pelo castanho da ferrugem, tirei o chapéu a dois passos deste e deixei que algumas lágrimas sem destino me percorressem o rosto. voltei meu amor, voltei. tu acenavas no átrio, trazias o cabelo aos ombros e o vestido vermelho sangue que usavas à despedida, a tua pele sempre branca como o branco dos abraços que trocavamos nas tardes calmas atrás do celeiro sem os teus pais saberem. estendi a mão, abri o portão e corri escadas a cima, cá dentro bailava a vontade incansável de te ter nos braços, o coração parou, não conseguia respirar. amor, amor, cheguei. alcancei a porta que se dobrava sobre si prestes a cair, a casa tosca de tantos e tantos dias que poderiam ter sido. onde estás? entrei a medo pelo corredor onde as recordações ocupavam as paredes e o chão, parei por momentos os olhos no teu rosto e a minha lembrança levou-me, voei até ao tempo em que, ao momento em que, meu amor...
tu sorrias e eu sorria e o mundo era nosso como nunca havia sido de mais ninguém, tu cobrias o meu corpo com o teu e de repente saltaste para as minhas costas, o parque estava deserto, demasiado deserto para o primeiro dia de Primavera, lembro-me de comentares que ainda estava frio e eu ofereci-te o meu casaco que vestiste com prontidão. parei junto ao lago, desceste e ficaste a brincar com a água enquanto eu me afastei para cortar algumas flores do canteiro, quando me voltei já dois homens te seguravam, as flores cairam sobre terra e murcharam logo ali, tirei a carteira do bolso, atirei-lhes o relógio também, os sapatos, os punhos de prata da camisa, o fio de ouro, tudo o que tinha de valor mas não quiseram nada, com a arma apontada à tua cabeça nada do que diziam fazia sentido dentro de mim, só tu meu amor, só tu a tremer com o pulso torcido atrás das tuas costas, o teu pulso delicado torcido atrás das tuas costas, eu petrificado olhava-te os cabelos presos entre as tuas costas e o tronco de um deles. a música era triste, todos os momentos tristes merecem músicas tristes meu amor, tu choravas e o baton vermelho manchou-te a face meu amor, eu chorei e todo o parque chorou comigo. eles afastaram-se e eu ajoelhei-me enquanto um deles te arrastava para perto das águas, cada vez mais perto, corri para te alcançar e o outro disparou sobre o meu braço direito, deitado no chão agarrei-me às ervas e olhei-te, vi-o enterrar a tua cabeça nas águas do lago, vi-te esbracejar em vão, vi-o afastar-se e o teu corpo a boiar morto e eu no chão a desejar morrer também.
querias uma casa à beira mar plantada da cor do papagaio azul que te oferecera quando completaste as tuas vinte primaveras, querias uma casa à beira mar plantada meu amor e eu comprei-te uma casa à beira mar plantada e é da cor das lágrimas que hoje me caem pelo rosto enquanto me abraço à tua fotografia.

por: mar

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quinta-feira, 29 de maio de 2008

silêncio em pé de lã

e tudo já parece tão incrivelmente comum, a normalidade entrenha-se em nós como os anos na pele, tudo parece passar de forma tão natural que entendemos o tempo como um albergue nocturno. e é esta espera, este quase ser que, este estar entre e estar quase, é isto que nos faz viver e se não tivessemos esta forma tão unilateral de sermos morriamos. hoje passeavas triste pelas ruas que nos conheceram as mãos dadas e eu vi-te do outro lado da janela, a chuva molhava-te as pegadas e incomodava-te o jeito ligeiro de andar, os teus olhos perdidos no que havia sido nosso passeavam de mãos atadas às recordações duradouras e vitalícias que conscientemente tinhas. eu não te disse nada, a minha mão segurava ligeiramente a cortina e pela frincha eu ainda consegui ver-te chorar baixinho esperando que a tua dor não incomodasse a dor dos outros, daqueles que não passam. eu não quis estar longe mas quando o barco se afundou nadei rumo a outra praia, não tenho culpa da corrente me ter trazido para aqui, longe. os teus sapatos estavam gastos, lembro-me do dia em que os compraste, sacudiste a carteira, contaste as moedas e com um sorriso no rosto entraste, eu segui-te à distância de dois passos, detesto sapatarias, não experimentaste os sapatos assim como nunca experimentas nada na tua vida, ficam-te bem o raio dos sapatos, apesar de já gastos como o amor que ainda me tens. escondi-me entre a parede e as cortinas e chorei devagarinho, baixinho para te não incomodar as lágrimas, o amor é isso mesmo, chorei mais baixinho ainda até silenciar por completo toda a minha dor, sempre fui um silenciado. ao fundo do corredor o meu gato miava e tu? tu afastavas-te devagar, cruzaste a rua e olhaste para trás, viste-me e sorriste, o meu gato miava e eu como não sei miar não lhe respondia. silenciei-me.

por: mar

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quarta-feira, 28 de maio de 2008

Púrpura

e ela que nunca tinha cor hoje é púrpura num toque em pele púrpura reflexo da cor púrpura das riscas da camisola do rapaz ao lado. ela acredita hoje que o amor existe, coloriu o preto e branco dos dias e dias que passava agarrada a si mesma, onde era na sua solidão a cor nenhuma no mais negro quadro que o Deus dos crentes uma vez pintara.
e ela que nunca tinha cor hoje é púrpura como o beijo púrpura que ele lhe dera escondidos na cidade que nunca lhe havia conhecido cor nenhuma. e ela dançava a cor púrpura enterrada na pele, as suas mãos agora púrpura agarravam o púrpura das mãos dele, os caracóis agora púrpura bailavam os segredos púrpura que os cabelos dele lhe murmuravam.
e ela que nunca tinha cor hoje é púrpura na vontade de lhe ver a presença púrpura no seu reflexo púrpura no espelho. e queria ficar assim, assim com ele, pintada de cor púrpura num mundo de cor nenhuma onde se camuflava.



* escrito há algum tempo, num dia em que o púrpura das riscas da camisola dele me pintava a vida.

por: mar

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terça-feira, 27 de maio de 2008

"welcome"

Mendiguei nas maçanetas da porta como quem quer abrir mas não pode ou quem pode mas não quer, fiz-me tapete de entrada, pisaste-me as letras gastas, “welcome”. A fechadura perra ainda guardava meia dúzia de segredos que empacotamos numa caixa de sapatos, despi-me as calças que me ofereceras no Natal com a mesma rapidez com que te alcancei depois com a boca fechada e os dentes semi-cerrados, rangendo de desejo. Pautei os gestos na perfeição do rebordo de duas silhuetas brilhando nas sombras da manhã. Sacudi a desilusão que estava presa nas pontas dos meus cabelos e por fim, não querendo reparar que era o ínicio, disse-te adeus já na inquieta sensação do desconforto emocional posterior. De mochila às costas desenvencilhei as palavras cruzadas. Tu corrias atrás de mim com a lanterna na mão, estava frio, está frio, era de noite, é tarde, ainda com os pés descalços de presenças soubeste o lugar e a hora exactos de beijos anunciados e esperaste-me como quem espera um comboio que se atrasa sempre, amarrotado entre as beatas de cigarro e as folhas de jornais gastos pelos tantos olhos, pelas quantas mãos.
Não cheguei e não desesperaste, fizeste-te futuro e caminhaste entre os ponteiros do relógio que repousava morto no teu pulso esquerdo, entre a gélida tarde e a triste noite assassinaste o amor que ainda choramos.

por: mar

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ladrão maluco

um conhaque com sabor de sino a bater a despique,
uma menina qualquer a dançar com as galochas encharcadas,
as pernas imaculadas,
o soro do doente à espera no corredor.
fui bendizer a lamúria do itenerante,
demente, guardo a maluqueira no bolso de traz das calças.
o desgraçado abana-a nas mãos e foge,
do outro lado alguém o agarra mas eu não a quero,
fica com ela ladrão maluco,
maluqueira tua.
vagueio sobre o chão que pisaste com o bilhete de regresso na mão.
tu foges? não. tu vives.

por: mar

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segunda-feira, 26 de maio de 2008

Gaveta de Sonhos

Maria abriu a gaveta dos sonhos, tinha prometido a si mesma que hoje não iria fazê-lo mas não conseguiu aguentar, no piso de baixo os vizinhos escutavam uma música demasiado melancólica que se impregnava no betão inundando o seu apartamento. sentou-se aos pés da cama com a gaveta no colo, escolheu um envelope completamente branco, lá dentro repousava um segredo escrito num papel rasurado, amarelado pelo tempo, as letras quase ilegíveis mas isso não a incomodava, decorara as palavras como se fossem um mapa, um mapa que escondia o regresso a casa.

leu em voz alta, sempre lia em voz alta, só assim conseguia acreditar nas promessas escritas que nunca se haviam realizado, só assim conseguia abafar o choro com palavras que não traziam o silêncio, traziam recordações de tempos idos. Maria calou-se e a sala chorou, Maria chorou e a sala falou, Maria levantou-se e a sala deitou-se aos seus pés contorcendo-se de dor, uma dor que não lhe pertencia. sorriu com os olhos rasgados pelo pó que se acumulava em cima dos móveis que não eram dela, eram de ambos mas disso as suas mãos não se queriam recordar. pousou a mão no ombro do deserto que a preenchia e olhou a nuca do seu melhor amigo, o desespero, encarou-o de frente quando abriu a porta da varanda, olhou o céu carregado de nuvens negras que choravam em uníssono ao som da música dos vizinhos. o seu corpo já morto, pelo amor em excesso, rasgou o vento ao meio e embateu depois contra a entrada do prédio onde ambos tinham entrado de mãos dadas e por onde ela o viu sair carregado de malas.

por: mar

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domingo, 25 de maio de 2008

longe de casa, tenho frio

dei voltas sobre mim nas ruas tristes de uma cidade que já conheço de cor, hoje é domingo. vagueio por aqui e por ali e com os meus olhos entre o chão e o céu bailo no rosto de todos os que por mim passam. ainda sou uma menina e não sei de que cor se pintam os passos. desbravo sentimentos soltos no ocaso e não sei porque caminhos sigo. hoje é domingo. hoje é domingo e ainda não dancei nos teus olhos. pouso as mãos na grade da ponte e fito o horizonte que baixa os olhos embaraçado pelo meu olhar imperativo. erguem-se ao longe silhuetas que se beijam, se enlaçam, se são tão felizes que eu, meu amor, eu não consigo deixar de sentir o friozinho da inveja percorrer-me cada pedacinho do corpo.não estás aqui. fecho as cortinas, baixo os estores, tenho medo, tenho frio.estou longe de tudo, longe do mundo. aqui pouco faz sentido, hoje é um dia triste, hoje é domingo. cruzo os braços e sento-me no chão, olho o corredor e relembro as horas felizes de domingos que nunca passamos juntos. coloco as mãos nos bolsos, bato a porta atrás de mim e com os olhos fechados avanço pelas ruas que os meus pés sabem de cor. as costas curvadas em direcção ao chão, a boca fechada e um frio a entrar pelas mangas da camisola, pelo fundo das calças, pelas casas dos botões do casaco, tenho frio, estou longe de casa.

por: mar

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a vida não está a salvo

entra pelo vidro a luz,
raios me partam ao meio
porque escondo na noite ainda as palavras tristes
que compõem a minha poesia.
breve melancolia,
tolhe, encolhe e esbarra o cais da verdade
escrita na pressa.
a vida não sabe na boca
nem nos olhos mal risonhos
que escrevi com as minhas pegadas.
no final das contas não sobra dinheiro para nadas,
tenho tudos entalados no pranto
e o meu encanto não chega para os desempacotar.
balanço a esperança no quoficiente da inteligência,
a hipotenusa ao avesso.
estremeço e clamo,
o choro é estranho e os dias contam-se pelos dedos da mão esquerda.
migalho-me o amor entupido numa lata de atum por abrir,
restos de comida para o dia seguinte,
iogurte com validade estagnada,
cheiro a comida estragada.
a vida não está a salvo.

por: mar

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sexta-feira, 23 de maio de 2008

um desespero que se esconde entre os dedos

Posso fechar-me em segredo,
não é por medo, é amor.
Não me roubem mais palavras,
mesmo as achatadas na garganta
são silenciadas em teu louvor.
Posso não te dizer,
um olhar não vale tanto?
Peço-te que me deixes só sofrer e escrever,
refugiada neste triste manto.
Lágrimas que por mim caem no teu peito ecoam,
sentes os vendaváis? Ouves os meus ais?
Os sentimentos estão na proa.
Sinto-me curvada pela cruz pesada,
sinto-me alma penada.
Escuta. Dói mas passa.
O que não nos mata torna-nos mais fortes,
se morrer é porque sou fraca.

por: mar

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amorte

bateu à porta, gélida a mão que se estende, toc-toc, levanto-me para abrir e juro a pés juntos que será a última vez que deixo o calor dos cobertores, caminho com o passo descompassado que adivinha o desamor que ocupa o espaço, tu repousas ainda agarrado ao tanto que somos como se fosse possível repousar sossegado com este frio que se sente. dói qualquer coisa que nunca entendi o que é, dói e arrefece tudo o que nos vai dentro, de tal forma que nos congela o coração, glaciar. abro e caio, bato com as costas no chão de madeira, a cabeça parte o vaso de rosas que me ofereceras à dois dias, desconheço-me e tudo em mim estala.
acordo, a face vermelha de sangue já seco, levanto-me ainda meio tresloucada e vou até ti, não me ouviste chamar? tu não respondes e um arrepio inunda o meu corpo, caminho tonta até à casa-de-banho, lavo a cara, olho o espelho, limpo a cara e vou até ti, quero estar certa de que dormes sossegado, desligo o televisor, não me sabe bem o silêncio que se sente no ar, não te sinto. deito-me ao teu lado, estás gelado, grito o teu nome na solidez da quietude, não respondes e eu caio sobre o teu corpo como uma viúva certa, congelam-se lágrimas na minha face e os lábios trémulos sentem o beijo da morte.

falar da tua morte não me assusta:
bateu à porta, entrou, levou-te e eu nada pude fazer.
digo-te que dói como doem todas as coisas que nos deixam tristes,
digo-te que a nossa história sempre terá um final feliz.

por: mar

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pequenos nadas num grande tudo

meu amor, agora já posso chamar-te meu amor sem sentir que de algum jeito nos iludo (como se isso pudesse acontecer), meu amor, meu amor maior, meu único amor. hoje acordei com a sensação de que por mais que eu fizesse o dia seria pequeno para tudo o que haveriamos de viver e assim foi, as pegadas escorregaram-nos dos pés e marcaram mais uma vez a cidade que embevecida se deixava compenetrar pelos enlaces de mãos, de braços, de corpos que se gostam. de mãos dadas desbravamos caminhos e veredas, subimos as escadas até ao cume. saber-te a meu lado é saber-me ser feliz contigo e isso inunda as minhas entranhas de uma alegria sem fronteiras que de tão grande acanha quem me vê o sorriso no rosto.
apesar de tudo isso o mais importante do dia de hoje foram os momentos, os largos momentos em me tomaste nos braços e me fizeste sentir especial, tinha medo de não mais me conseguir sentir assim e hoje tu mostraste-me que nunca deixei de o ser, ser especial é mais do que uma característica é um modo de ser. hoje aprendi que não te quero longe, quero fiques apenas à distância de dois ou três passos, porque a tua presença enaltece e glorifica um sentimento que evita ser breve porque o seu tamanho supera as medidas.
ja tenho saudade, ter saudade é tão bom que me preencho com as lembranças de mais um dia, mais um dia feliz que nos esperava com o sorriso de quem sempre soube que o seu destino era unir-nos.

por: mar

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terça-feira, 20 de maio de 2008

está uma gata no meu telhado

medo.

no meu telhado de vidro está uma gata sentada. é a tua? ontem esperei-te toda a noite e não chegaste. triste, acordei esta manhã e dei de caras com a gata repousando no meu telhado de vidro, mesmo por cima da minha cara. foste tu que a mandaste? toda a manhã não miou. se alguém a assustou não sei não lhe perguntei, fugi para a casa da vizinha. sabes que tenho medo de gatos. amanhã é quase hoje e ainda bem que assim é, hei-de enlaçar-te em meus braços, hei-de pedir-te depois para que vás devagar tirar a pobre gata do telhado.
está uma gata no meu telhado de vidro, sentada, parada, parece morta de tão imóvel. sento-me agora também com a noite a fazer-me cócegas nas mãos, a sombra da gata ganha vida ao lado dela e eu apavorada fujo para a casa da vizinha. de dia tenho uma gata no meu telhado de vidro à noite tenho duas.

medo.

por: mar

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segunda-feira, 19 de maio de 2008

pintei a manhã com os tons da tua pele

acordei ainda o sonho ia a meio e com vontade de o terminar virei-me para o outro lado e voltei a adormecer. a tua pele de novo colada à minha num querer que não pede licença, as bocas selavam uma na outra as palavras bonitas que sempre disseramos um ao outro quando estavas longe, agora que estás aqui até as mãos não encontram sentido para se dizer alguma coisa. o teu corpo descansava agarrado ao meu, tão junto que se alguém nos visse agora certamente pensaria que só um corpo repousava nesta cama grande. a manhã rompeu os vidros da janela e um raio de sol acariciou-me a face, acordei, esperei sentada na cama ainda de olhos fechados, abri os olhos e caminhei até à varanda, sentei-me no chão e com a cabeça entre as grades fiquei a pintar a manhã com os tons da tua pele.


por: mar

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domingo, 18 de maio de 2008

a noite acomoda-se triste no beiral da minha janela

acordei. levo a mão à janela e afasto a cortina, ainda é noite, ainda chove. a noite acomoda-se triste no beiral da minha janela. levantei-me e olhei o relógio, mentiroso, adiantado mais de duas horas, peguei nele e atirei-o contra a parede, não admito que me tentem enganar. fiquei com o rosto entre as mãos encobrindo alguma ansiedade, entrei na casa de banho a passo de caracol arrastando atrás de mim o sono que me prendera à cama, olhei-me no espelho e assustei-me, tinha os cabelos encaracolados de tal forma emaranhados que as mãos não conseguiam desprender-lhe as pontas, soltando-as sorri para mim. vesti-me, sentei-me na soleira da porta da entrada com o cabelo em liberdade. esperei. esperei. esperei e voltei a esperar. se a vida não é feita destas esperas não consigo entender afinal o que a preenche. quando a manhã rompia e ao fundo da rua o sol se começava a notar no céu vi-te, trazias um mundo inteiro aos ombros, as mãos nos bolsos e os pés descalços palmilhando as minhas derrotas, vitoriosos. chamei-te mas não ouviste e eu continuei sentada esperando que os primeiros raios de sol te acelerassem os passos na minha direcção, paraste a uns dois metros de mim, tiraste do bolso o teu coração que seguravas entre mãos e disseste-me com um sorriso nos lábios, "isto é para ti. ficas comigo?", corri até ti, atirei-me para o teu colo e deixei que os teus braços envolvessem o meu corpo, beijamo-nos, "porque te foste?" segredei-te eu, tu encheste o peito de ar e suspiraste um "desculpa mas não me julguei capaz de te fazer feliz", eu chorei, dei-te a mão e impulsionei-te a entrar "já passou, o importante é que estás aqui. anda. vamos fazer-nos felizes".

por: mar

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sábado, 17 de maio de 2008

voamos?

colhi-te ontem a falta, colhi a saudade e escondi-as na palma da mão, deitei-me depois no chão e tu seguiste-me, deitaste a cabeça no meu colo e ali contamos as estrelas ainda com o sol a rasgar o céu. "sabes o que eu queria agora?" disseste, eu suspirei e nada disse e tu continuaste "apetecia-me voar" e eu senti uma gota fria cair da tua face e escorrer pela minha barriga, passei as mãos nos teus cabelos e pedi-te que fechasses os olhos, com os olhos fechados conseguimos tanta coisa meu amor, tanta coisa... quando deste por ti já estavamos a uns bons metros do chão, "consigo voar" gritaste e eu com os olhos carregados de lágrimas e um sorriso de orelha a orelha no rosto acreditei que havia conseguido satisfazer-te um desejo e demos voltas e voltas e voltas, mais voltas ainda, sobre tudo o que tinhamos à nossa espera quando abrissemos os olhos.

voamos?

por: mar

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sexta-feira, 16 de maio de 2008

esta noite esqueci-me de sonhar

esta noite esqueci-me de sonhar, esta noite esqueci-me de te ver e no entanto estavas ao meu lado, agarrado a mim, a tua mão segurava a minha, os meus olhos nadavam dentro dos teus, o perfume dos corpos misturados inundando o espaço em volta e eu de cabelos presos nos teus esquecia-me de sonhar. esta noite eu esqueci-me de tudo mas não me esqueci de te abraçar, não me esqueci de respirar com o meu nariz encostado ao teu, nem sequer de te olhar como se aquela fosse a última noite que passaria contigo e no entanto nós sabemos que esta nem sequer foi a primeira. meu amor perdoa-me porque esta noite com medo de despertar deste meu sonho eu esqueci-me de sonhar e deixei-te à minha espera nesse outro mundo só nosso que construímos no reino dos sonhos. meu amor não fiques triste porque mais noites haverão e nas próximas faremos dos sonhos uma realidade só nossa que ninguém pensava existir.

por: mar

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quinta-feira, 15 de maio de 2008

Nas estradas do teu corpo

nos bolsos das minhas calças escondi os meus sonhos, os bolsos estavam rotos e os sonhos foram caindo, quando por fim reparei que os bolsos estavam pesados levei as mãos aos bolsos e notei que já lá não estava a leveza dos meus sonhos. parei de caminhar e sentei-me no teu lábio inferior, chorei e recuei para procurar os meus sonhos nas curvas do corpo. fiquei-me no teu umbigo a chafurdar as minhas lágrimas, pestanejei na tua barriga e deixei-te rir de cócoras. quando encontrei os meus sonhos na palma dos teus pés dei conta que eles são as pegadas que deixas no meu caminho. demorei-me.

sigo-te devagarinho para poder escutar todas as histórias que os poros do teu corpo contam aos meus, os poemas que escreves com as pontas dos teus dedos na minha pele, os silêncios que entregas em beijos ou esperas que a tua língua faz à minha.

por: mar

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terça-feira, 13 de maio de 2008

Calo-te a voz de poeta

tens voz de poeta não o nego, nada acrescento, nada desfaço, nada desdigo, não há nada que não ouça quando falas, não há nada que não rompa muitas esperas, nada que não me dê cabo do coração e cada vez que me choras ao ouvido as lágrimas não escondem a vontade de cair. não há outro jeito de me comover, não há outra vontade de nada dizer, só a vontade de despir este vestido de paciência e atirar-te à cara a poesia toda em estalos de culpa que me cravas no peito. não! não hei-de sofrer assim por ti que apenas falas o que te convém e o resto calas.
chorei. amansei a minha paciência e fui, arremessei-te os poemas que me ofereceste e as palavras ternas que escreveste em noites cor de luar, no lugar deles escrevi o silêncio em gestos sorrateiros e precisos que me fizeram ver que estava certa.
calo-te a voz de poeta, não me queres ser se não estranho e eu não sei ver-te de outra forma.

perdoa-me (grito)

por: mar

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as mãos pesam-me

hoje não quererás estar comigo, vai embora. não! não insistas, vai embora amor, aperta-se-me no peito esta dor sem limites, pesa-me uma dor qualquer que não sei de onde vem nem para onde vai, não quererás ficar aqui para me veres chorar, nem eu quero que fiques aqui com esta sombra no olhar. vai meu amor, vai. deixa-me adormecer no chão desta casa que construímos juntos, deixa-me ficar e vai porque o amanhã pertence-te e o hoje destrói-te comigo assim aqui. sabes, quem me dera que soubesses, eu não consigo parar de chorar e as minhas lágrimas pesam na vida como traços de um desenho que nunca se desenhou. hoje não quererás estar comigo, vai embora e não, não insistas, vai embora meu amor, as mãos pesam-me e a caneta pousa-se em cima do papel, não consigo escrever.

por: mar

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não sei onde dói

se te dói assim tanto que não sabes onde dói, se não foi, se ainda é, tudo se enche de dor e eu não sei, nunca soube, como chegar até ti.
o amor é uma charada, inventada, perfumada pelas mãos do adeus.
fica aqui, flor de mim, em jeito de despedida. sai de ti, entra assim na casa em forma de vida. se te fores, se hoje fores, amanhã não adormeces, meu amor, se ainda dói é só porque não esqueces. e eu não sei, não direi, nem palavras nem silêncios profanei, fica aqui, flor de mim, não queiras ir embora. hoje dói o que não foi, dói a dor de não ter sido. já passou, não mudou este amor está contigo. vai então, parte assim mas não me leves contigo, meu amor, flor de mim, ouve bem o que te digo.

por: mar

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Mãos cheias de nada

Estás louco!
A loucura é o primeiro desígnio de um Deus Maior.

Ele abriu as mãos e viu nada, a pele de cor nenhuma baralhava-se com a imensidão de um arco-íris que aos olhos dos outros se apresentava nítido, assemelhando-se à feliz coincidência de uma troca de olhares prematuros. Não quis saber, nem quando o outro se riu alto, tão alto que as pedras da calçada estremeceram. O primeiro sacudiu as mãos mas o nada não se soltava, lavou-as no charco mas o nada não saía delas, depois mergulhou ele próprio no charco do passeio e ali ficou encostado a nada com uma sensação de coisíssima nenhuma a envolver-lhe as entranhas.

Estás imensamente louco!
Os loucos são os mais felizes.

Pedro ria ao ver o seu amigo embriagado em água lamacenta agarrado às suas duas mãos, ria de vergonha enquanto o tentava levantar. Solta-me! mas Pedro não queria ouvi-lo, uma sensação de desaparecimento de si inundara-lhe todas as formas que possuia para enfrentar aquela situação. Largou o amigo e caminhou com a alma em cacos rumo a não sei onde, nas mãos começava a arder-lhe um nada qualquer que não sabia de onde vinha. A doença do nada era pegajosa e com medo de cair sobre os charcos Pedro correu o mais que pode.

Este está louco! alguns gritavam, outros cochichavam entre si e ainda havia aqueles que se calavam, os piores são os que nada dizem e ficam a remoer uma espécie de nada dentro de si mesmos. Ele ali continuava agarrado às mãos cheias de nada, e sorria ao ver nada, e dançava ao ver nada, e era-se ali nada. O nada era a única certeza que tinha e dava-lhe o poder de se conseguir encher de tudo. Por isso quando lhe diziam estás louco! ele assentia, sorria e abraçava-se a si porque a sua loucura permitia-lhe ser tudo o que quisesse.

por: mar

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segunda-feira, 12 de maio de 2008

Ele escreve direito por linhas tortas...

Acordou!
Agitou os braços no ar.
Levantou-se!
Os chinelos não estavam no sitio mas nem reparou.
Caminhou até à casa-de-banho.

Ele chorava agarrado a nada com os chinelos ensanguentados, ele gemia, ele sofria, ele doía e saía de si para se ver no espelho. Ele não era! Ele nada. Ele tudo. Ele nem mais nem menos. Sofrido e dorido continuava abraçado a nada com as mãos quietas, mudas, paradas, seladas em gestos que nunca se davam.

Lavou a cara, respirou fundo,
lavou os dentes,
as olheiras não se conseguiam disfarçar.
Deu dois passos e tropeçou nela.


Não tinha reparado que ela se tinha levantado já, não tinha reparado em nada, imbecil, inútil, pensava em si e no quanto não a amava enquanto chorava agarrado a nada com os chinelos ensaguentados. Ele ali não era, ele nada, ele tudo, ele nem mais nem menos e ele ficava ali assim ficava sozinho chorava com os chinelos ensaguentados.

Ela levantou-se de uma noite não dormida,
caminhou decidida até à casa de banho,
sem o gosto da vida na boca, tomou uma caixa de tranquilizantes.
Ficou tonta, agarrou-se à cortina enquanto caía,
a cortina rasgou, o marido não ouviu e ela ficou agarrada ao seu corpo
enquanto uma nódoa de sangue começava a formar-se debaixo da cabeça.


Deitou-se!
Agitou os braços no ar.
Adormeceu!
Os chinelos repousavam aos pés da cama.
Ela caminhou até à casa de banho.

por: mar

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domingo, 11 de maio de 2008

A solidão é uma agulha.

Ainda consegui ouvir os teus passos afastar-se no corredor,
gritei o teu nome mas já não ouviste e eu não pude correr atrás de ti.

Pés atados, mãos atadas,
nada podia fazer senão chorar.

Quando choramos assim agarrados a nada, encurralados como animais selvagens a solidão pica como uma agulha, não fere mas pica e dói. Doer não é ferir. Doer é um acumular de ferimentos que não se conseguem ver mas sentem-se.

Tu sorriste quando olhaste para trás, sorriste e abriste-me feridas tão grandes no peito
que podias colocar dentro delas uma baleia e três elefantes.
Agarro-me a mim própria e fujo do hospício para onde me levaste,
quando a morte nos parece o único caminho as saídas estão limitadas,
não há novos rumos,
não há outras metas,
não há nada que não se grite.

Hoje encostei-me á almofada, aconcheguei-me no sofá, quando acordei ainda era ontem!


por: mar

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sábado, 10 de maio de 2008

Cemitério de Barcos

Abandonaram-te!

Espreitei-te por entre a rede que me impedia de ir ao teu encontro, queria abraçar-te como se abraça a casa a cada regresso, queria entalar os meus dedos na tua madeira seca, queria tanta coisa que não pude porque uma frase me torturava o olhar "proíbida a entrada".

Entulharam-te!

Enquanto ele me abraçava tu sozinho choravas, dos teus cascos as lágrimas pendiam e eu ouvi os teus lamentos e desenhei com os meus dedos esperança na despedida. Um dia tiveras marinheiros na tua proa, um dia tiveras o mar a beijar-te o casco, neste dia contavas-me histórias tão lindas de idas e vindas mar adentro, mar fora.

O Douro é o teu Pai ausente!


Apeteceu-me chorar mas contive as lágrimas. Ele sabe o que penso de ti ali, tão só quanto abandonado, encalhado num cais de desespero e mágoa. Ele conhece-me! Tu conheces-me! Hei-de voltar para te contar o mar e mostrar-to através dos meus olhos.

Assassinas as saudades?
Não te quero preso!

por: mar

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quarta-feira, 7 de maio de 2008

Há tanta arte em nada se dizer!

Batem à porta,
não abro!

A vida é um condor em voo rasante.

Respiro um pouco para me sentir viva. Deixo-me ficar encostada ao teu ombro e algumas lágrimas correm pelo meu rosto, às vezes vale a pena fingir que está tudo bem, outras vezes tornamo-nos mentirosos omitidos em nós mesmos.

Na rua dos meus sorrisos já não vive a felicidade.
Levanto-me e preparo um chá,
os gestos banais atenuam a dor, regressam-nos.

... há tanta arte em nada se dizer!

Sento-me de novo, aqueço as mãos na chávena, lado a lado olhamos a mesma parede de palavras ausentes. O silêncio cobriu o espaço como esta manta quente nos cobre as pernas.


Batem à porta!
Abro e ...

por: mar

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segunda-feira, 5 de maio de 2008

As palavras quando fortes mordem como um cão raivoso!


Fácil é abrir os braços,
estender-te as mãos,
seguir-te os passos...

Difícil é não querer-te perto,
deixar-me a um canto,
não viver sonhos desperto...

As palavras quando fortes mordem como um cão raivoso, se as minhas em algum momento te morderam perdoa-me, tenho de saber domestica-las ou mante-las em cativeiro.
As palavras são a minha casa, às vezes tranco as portas e embriago-me tanto nelas que quase sufoco, sou eu e este meu jeito desajeitado de intensificar e eternizar o que tomo como sendo meu. Perdoa-me!

Ontem senti-te a mordiscar-me os braços,
fizeste-me cair do voo...

Hoje escrevi-te uma palavra mansa que tu tomaste como forte.
Às vezes dizemos devagar o que a boca grita com pressa!

Só porque não quero tirar as pétalas a este malmequer, mataria a sua beleza, deixo-o ali ficar e observo-o durante horas, se um dia te fizer o mesmo não penses que te quero longe é só porque não sei se estragaria a tua beleza ao ter-te perto.

Apaguei do dicionário o "sempre" e o "nunca",
só porque tinham a mania que podiam estragar sentimentos!


por: mar

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Não me fujas!


* foto de Luís Belo;


Fica aqui!

Fica!


Não me fujas!
Fica aqui para sempre e faz do sempre tão pequeno que não caiba na palma da mão.

Os teus olhos escrevem poemas num céu que eu não sabia existir, os teus sorrisos pintam sonhos nas paredes da minha casa, aquela casa que me fez tua e te fez meu mal entraste, as tuas mãos contam histórias de encantar aos meus passos que não conhecem outro rumo que não sejam os teus braços.

Não me fujas!

Fica aqui a inventar melodias que caibam nesta nossa caixinha de música.

Foi quando temia o amor que tu apareceste com os bolsos cheios de sonhos inteiros para vivermos, quando temia ser feliz tu tocaste-me e o meu sorriso abriu-se como flor desabrochando para a eternidade, sempre soube que virias e mesmo desesperada abracei-te todas as noites, antes de chegares.

Não me fujas!
Fica aqui e faz da eternidade uma barata tonta.

Agarro-te as mãos e cubro-as pelas minhas, depois encaixo os teus pés entre os meus e deixo-te adormecer no meu ombro. Sinto um formigueiro nas pontas dos dedos. Se cairmos ficaremos abraçados no chão até que já nada exista dentro e fora de nós, como isso demorará a chegar!

Não me fujas!
Fica aqui colorindo as sombras com os carinhos que nunca ficarão por dar.

Quando o céu se rasgar ao meio e uma luz te vier buscar hei-de agarrar-me aos teus pés, quero ir contigo vás tu para onde fores, nada será suficientemente forte para nos separar, a personificação da força é o sentimento que nos une. Nada fará sentido sem ti, nada caberá neste mundo inteiro onde vivemos, nada, rigorosamente nada chegará para cobrir de cores o meu silêncio se já não tiver os teus pés de arco-íris.

Fica aqui!

Fica!

por: mar

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domingo, 4 de maio de 2008

Epitáfio


* pequeno arranjo numa foto original de Brites dos Santos;


"Em breve voltaremos a ver-nos"

Gatafunhavas no teu caderno de capa preta montes de epitáfios na esperança de um dia veres um escrito na tua lápide, confesso-te um pouco mórbido. Tinhas sublinhado esse depois de me perguntares a opinião e de eu acenar afirmativamente com a cabeça, apesar de premeditar um regresso pouco esperado era concerteza dos menos mórbidos que escreveras.

Na frente da tua campa choro encostava a um monte de rosas brancas murchas.
Porquê?
Porque sim!
Quando a morte chega nós já estamos vestidos com a nossa melhor roupa para a receber.

Recordo-te!
O cabelo empastamado de gel, o fato cinzento ligeiramente curto nas mangas,
a gravata preta bem apertada, o corpo imóvel, os olhos fechados, os sapatos de verniz
que o teu pai te oferecera e que nunca chegaras a calçar.
Pela primeira vez soube-te quieto
e essa quietude, ao contrário de tantas outras vezes, não era desejada.

Porquê?
Porque sim!

Esta pergunta faz tanto sentido como aquela que te fiz quando festejavas o teu décimo quarto aniversário. Eu fui a convidada mais bem vestida, ou pelo menos aquela que mais chamou a atenção, o meu vestido aos quadrados vermelhos e amarelos não me deixava passar despercebida. Quando todos já se tinham ido embora e depois de ter assistido à briga que tiveras com o Zeca por causa do último biscoito de laranja, perguntei-te: "Porque gostas de biscoitos de laranja?" e tu respondeste com as faces rosadas e as mãos atrás das costas: "Porque sim!" e eu acreditei na tua resposta e tomei-a como a minha única certeza. Afinal quer a pergunta como a resposta não fazem o mínimo sentido.

Eu choro,
Tu choras,
Ele chora,
Nós choramos,
Vós chorais,
Eles choram.

Eu chorarei,
tu chorarás,
ele chorará,
nós choraremos,
vós chorareis,
eles chorarão

para sempre a tua morte!


"Quando morrer não quero marchas fúnebres, quero risos e sorrisos", apenas consegui realizar metade deste teu desejo meu anjo, a segunda parte pareceu-me impossível visto não conseguir silenciar a dor que habitava os corações dos que como eu te amavam.

Lembraste do dia em que completei quinze anos? Chegaste à minha beira com as mãos atrás das costas e abriste a boca para falar mas nenhuma palavra conseguiste proferir, ficaste vermelho, depois azul, até que me atiraste com uma rosa branca e desataste a fugir. Hoje meu anjo sou eu que te atiro uma rosa branca, ao contrário da tua esta não terá um destino tão feliz, não terá umas mãos para a receber e em breve murchará como todas estas rosas brancas que agora seguram as minhas lágrimas.

Sento-me na tua campa e passo a mão pelo teu rosto, se tu soubesses que para mim sempre foste mais do que um menino de pensamentos mórbidos e tristeza no olhar, se tu conseguisses ler o epitáfio que te pintei na lápide. Não! Não é aquele que tinhas sublinhado no teu caderno de capa preta nem nenhum dos outros que lá escreveste.

Sempre pensei em ti como o menino envergonhado, o menino tímido mas o menino dos gestos perfeitos e das minhas únicas certezas. Por isso na tua lápide pode ler-se:

"Porquê?
Porque Sim!"



* este texto é uma homenagem ao meu melhor amigo
que infelizmente nunca conseguiu ler o epitáfio que lhe pintei na lápide,
logo ele que sempre adorou a palavra "epitáfio".


em silêncio chegam o choro e a falta!


por: mar

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sábado, 3 de maio de 2008

Viseu tem as ruas tristes!


* foto de Luís Belo;

Viseu tem as ruas tristes, os pingos de chuva caíam lentamente sobre a calçada, a praça estava vazia, meia-dúzia de pombos esperavam que parasse de chover para depois voarem para junto dos outros. Não sei onde estão os outros, sempre me questionei onde se escondiam os pombos nos dias de chuva. Ao canto da praça um carrossel infantil abandonado, onde estavam as crianças? Sentei-me no banco e deixei-me molhar enquanto te esperava. O meu vestido preto destoava com as cores da praça, não me importei. Os sapatos pretos estão encharcados, estou com frio!

Trauteei uma melodia qualquer que em nada se relacionava ao momento,
como não vinhas levantei-me e dancei,
pousadas no banco estavam as minhas coisas que tal como eu esperavam ansiosamente a tua chegada.

Eu e esta minha mania de chegar sempre mais cedo! ...

Quando chegaste eu nem me dei conta, sentaste-te no banco e ficaste a olhar-me, a chuva também não te incomoda, de repente escorreguei e caí, tu levantaste-te e vieste ajudar-me a levantar e eu não consegui falar, nada dissemos. Abracei-te como se aquela fosse a última coisa que faria, beijei-te e senti um remoinho de emoções tresloucadas ocuparem-me o corpo, em cada pequenino espaço de mim nascia um pedacinho de ti.

Sentamo-nos depois sem tirar os olhos um do outro, “tu és poesia”, e eu nada dizia enquanto as tuas mãos percorriam a minha face. Julgo que tive de fechar a porta às lágrimas que se iam acumulando nos olhos. Quando me pegaste as mãos nasceu-me um sorriso na face e algumas lágrimas matreiras conseguiram escapar.

O sol começou a iluminar as ruas de Viseu, o carrossel agora despertava, sorria com todas as suas cores, a praça lentamente começava a encher-se, eu sorria e tu sorrias e as nossas mãos sorriam abraçadas.


As ruas de Viseu são um paradoxo!

por: mar

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sexta-feira, 2 de maio de 2008

Ardina de Vidas


* foto de Luís Belo;


Distribuiste as notícias tristes como próximos episódios de uma novela,
um folhetim de anúncios vespertinos.

Apregoas o tempo com as mãos carregadas,
a rua está triste hoje, o nevoeiro encolhe-se ao redor de todos os corpos.

Que faço eu da vida? Que fazes tu da tua?
Valoriza-me porque eu também sou uma notícia triste!


Esperei que chegasses com as mãos carregadas de jornais, primeiro encostaste-te à parede daquela casa e com uma mão segurando as costas pousaste o teu material de trabalho no chão e com um sorriso nos lábios olhaste o céu carregado. Soube então que gostavas da chuva tanto como eu. Depois ergueste os jornais, colocaste-os no teu saco de cabedal castanho e foste conversando com este e com aquele sobre a actualidade que acreditavas ser possível.

O teu saco de notícias tristes mal aguentava o peso das lágrimas.

Eu apaixonei-me por ti como me apaixonei pela chuva
num dia em que a senti impregnar-se no meu corpo.

Lavei a minha cara com as lágrimas, sentei-me no chão que tinhas pisado e olhei a chuva que caía na diagonal dos corpos, miúda, dessas que te entram pela pele e te molham toda, por dentro, por fora, como se fosse possível amansar o sal das lágrimas com a água doce das chuvas.

Disfarço-te de ardina e tenho a certeza que te dás conta,
na verdade eu só queria ver-te,
só queria olhar-te com as lágrimas nos olhos.

A verdade é que não precisas de disfarce, és um ardina de vidas e isso faz de ti eterno.

Os teus sapatos não te cabem nos pés, caminhas com um passo desajeitado e ás costas levas uma árvore repleta de sonhos maduros, prontos a serem colhidos. Sentaste na praça, atrás de ti um carrossel que gira sem parar, enroscaste em notícias tristes e recortas-lhe palavras, colas tudo no chão e inventas a tua primeira notícia feliz.




por: mar

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quinta-feira, 1 de maio de 2008

Estranho Intruso


* foto de Luís Belo;

Intruso!
Estranho!
Revela-te na minha escuridão!



Chegaste com a espera a dilacerar-te os braços, nas palmas das mãos ironias ou cansaços em forma de pele, na boca selada em beijos por dar estavam escondidas centenas de palavras, nos olhos fechados um monte de destinos irrequietos e cruzados que selecionavas, tentando escolher o teu.


Ficaste!
Num grito silencioso e mudo...
Fizeste ouvidos moucos aos abraços poucos que eu queria tanto.
Com o corpo criaste a saudade e cantaste o fado dos sós.

E ficar não é o mesmo que permanecer.

Intruso!
Estranho!

Sou feliz por estar-te hoje, feliz por enamorar-te,
feliz por comtemplar-te deste chão de renúncias onde me esqueço.


Por agora não acenes, por agora não te despeças, no peito guarda todas as lembranças e não deites fora as esperanças que trazes nos bolsos. Se um toque pode alterar o que aí vem então dá-me a mão apenas e não entres nos repetidos dilemas que circundam o teu coração. Se um toque pode alterar o que aí vem, fica-me só como te ficas e então seremos sempre.



Intruso que pintas a minha vida com a estranheza da felicidade.
Permanece!




por: mar

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Mãos de Outono


* foto de Luís Belo;
http://luisbelo.pt.to/


Limpo as minhas lágrimas com as tuas mãos,
lá fora caem as folhas das árvores,
despe-se o meu coração.

Estou nua!
Dentro e fora de mim não há nada que não seja eu mesma!

Na despedida de um beijo fica sempre o sabor das bocas.
Tremo com as tuas mãos encenando gestos na minha cintura.
Eu fico!
Eu vou!
Do outro lado de mim mesma só o que nascendo em mim é teu.

Carrego nos ombros a verdade de um ser em alarme, no lugar do meu coração tocam-se melodias num gira-discos antigo com cheirinho a eternidade. Invento saídas neste labirinto de onde nunca quis sair, decoro mapas e tropeço em sonhos que tivemos juntos.

Não me importo! Não quero ter biblioteca, podemos ter os livros espalhados pela casa. Tu é que sabes, só te quero ver feliz!

Salto no elástico do medo, amarro a tristeza contra o tronco da cegueira, viajo num trenó sem neve por onde deslizar. Não me importa se o ontem se antecede ou se o amanhã não principia porque a teu lado todo o princípio é o começo e todo o começo é o princípio.

Fecho os olhos!

Podias pintar as nossas palavras pelas paredes da casa...

Abro os olhos e vejo-te acenar afirmativamente.

E sempre que uma história começa há uma criança que sorri atenta a cada detalhe, há uma criança que agarra umas mãos de Outono como as tuas e adormece com o sabor a segurança na sua boca, com o toque da certeza na sua pele. Talvez eu não passe de uma criança que sonha com uma casa, talvez eu não passe de uma criança atenta a uma história que nos pertence, sorrindo atenta a cada detalhe. Talvez eu não passe de uma criança crescida que adormece agarrada às tuas mãos de Outono com o sabor da segurança a crescer-me na boca sempre que me beijas, com o toque da certeza a aumentar na minha pele sempre que te sinto.


Havemos de ter uma casa com paredes de vidro como tu queres.
Conseguirás ver o mar tão nitidamente que será possível ler-lhe a vontade nos lábios.

Tuas mãos de Outono pintadas...

por: mar

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Tranquei o tempo na cave


* foto de Daniel Camacho;


Nunca me digas que é tarde,
nunca me digas que é cego,
para nós é sempre o tempo certo.

Esperei com as mãos presas nos bolsos um aceno,
na boca o prelúdio dos dias que não se sentem.
Encontrei as sílabas que me faltavam até descobrir palavras que julgava não existirem,
como o AMOR.

Com a vontade de te ter perto a movimentar-se no meu peito, acendi a luz do quarto, peguei no relógio e corri escada abaixo. Tranquei o tempo na cave! Não quero contar os segundos até ver-te, não quero contar os minutos até tocar-te, não quero contar as horas até sentir-te. Quero viver apenas, viver como quem sabe esperar, uma mestria que nunca tive.

Encontrei-te, trazias nas mãos as chaves da cave, perguntei-te o que ias fazer com elas mas quando reparei já as enterravas no jardim junto com todos os problemas que no passado o tempo te tinha oferecido, como quem oferece um sorriso a quem está triste.

Não sei quanto tempo tenho,
não sei quanta vida ainda me resta,
sei apenas que quero estar do teu lado,
sempre!

Escrevi-te com os ponteiros do relógio acelerados demais,
senti-me morta, sem tempo para te escrever,
sem tempo para viver,
sem tempo para ser feliz!
Anunciei ao meu nome que nunca mais iria precisar de tempo,
dediquei-me a descobrir um modo de o não ter.

Tranquei o tempo na cave!

Aprendi o AMOR com a medida certa, descobri o AMOR com a tua chegada, vivi o AMOR com a tua estada, agora não sei ser senão AMOR por ti!

por: mar

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