domingo, 4 de maio de 2008

Epitáfio


* pequeno arranjo numa foto original de Brites dos Santos;


"Em breve voltaremos a ver-nos"

Gatafunhavas no teu caderno de capa preta montes de epitáfios na esperança de um dia veres um escrito na tua lápide, confesso-te um pouco mórbido. Tinhas sublinhado esse depois de me perguntares a opinião e de eu acenar afirmativamente com a cabeça, apesar de premeditar um regresso pouco esperado era concerteza dos menos mórbidos que escreveras.

Na frente da tua campa choro encostava a um monte de rosas brancas murchas.
Porquê?
Porque sim!
Quando a morte chega nós já estamos vestidos com a nossa melhor roupa para a receber.

Recordo-te!
O cabelo empastamado de gel, o fato cinzento ligeiramente curto nas mangas,
a gravata preta bem apertada, o corpo imóvel, os olhos fechados, os sapatos de verniz
que o teu pai te oferecera e que nunca chegaras a calçar.
Pela primeira vez soube-te quieto
e essa quietude, ao contrário de tantas outras vezes, não era desejada.

Porquê?
Porque sim!

Esta pergunta faz tanto sentido como aquela que te fiz quando festejavas o teu décimo quarto aniversário. Eu fui a convidada mais bem vestida, ou pelo menos aquela que mais chamou a atenção, o meu vestido aos quadrados vermelhos e amarelos não me deixava passar despercebida. Quando todos já se tinham ido embora e depois de ter assistido à briga que tiveras com o Zeca por causa do último biscoito de laranja, perguntei-te: "Porque gostas de biscoitos de laranja?" e tu respondeste com as faces rosadas e as mãos atrás das costas: "Porque sim!" e eu acreditei na tua resposta e tomei-a como a minha única certeza. Afinal quer a pergunta como a resposta não fazem o mínimo sentido.

Eu choro,
Tu choras,
Ele chora,
Nós choramos,
Vós chorais,
Eles choram.

Eu chorarei,
tu chorarás,
ele chorará,
nós choraremos,
vós chorareis,
eles chorarão

para sempre a tua morte!


"Quando morrer não quero marchas fúnebres, quero risos e sorrisos", apenas consegui realizar metade deste teu desejo meu anjo, a segunda parte pareceu-me impossível visto não conseguir silenciar a dor que habitava os corações dos que como eu te amavam.

Lembraste do dia em que completei quinze anos? Chegaste à minha beira com as mãos atrás das costas e abriste a boca para falar mas nenhuma palavra conseguiste proferir, ficaste vermelho, depois azul, até que me atiraste com uma rosa branca e desataste a fugir. Hoje meu anjo sou eu que te atiro uma rosa branca, ao contrário da tua esta não terá um destino tão feliz, não terá umas mãos para a receber e em breve murchará como todas estas rosas brancas que agora seguram as minhas lágrimas.

Sento-me na tua campa e passo a mão pelo teu rosto, se tu soubesses que para mim sempre foste mais do que um menino de pensamentos mórbidos e tristeza no olhar, se tu conseguisses ler o epitáfio que te pintei na lápide. Não! Não é aquele que tinhas sublinhado no teu caderno de capa preta nem nenhum dos outros que lá escreveste.

Sempre pensei em ti como o menino envergonhado, o menino tímido mas o menino dos gestos perfeitos e das minhas únicas certezas. Por isso na tua lápide pode ler-se:

"Porquê?
Porque Sim!"



* este texto é uma homenagem ao meu melhor amigo
que infelizmente nunca conseguiu ler o epitáfio que lhe pintei na lápide,
logo ele que sempre adorou a palavra "epitáfio".


em silêncio chegam o choro e a falta!


por: mar


4 comentários:

Blogger Bonecas da Filó escreveu...

“O coração de uma mãe é a sala de aula do seu filho.” Feliz dia das Mães

4 de maio de 2008 às 17:57 
Blogger (Un)Hapiness escreveu...

fizeste-me chorar...não só pelo conteúdo, ms pelo modo como o "tratas"!

kiss

4 de maio de 2008 às 18:39 
Anonymous Anónimo escreveu...

Mais uma homenagem sentida, e de que forma...

às vezes uma imagem vale mil palavras, neste caso as tuas palavras valem por mil imagens.

Um beijo.

5 de maio de 2008 às 11:51 
Blogger Martim escreveu...

se ele tivesse lido estaria orgulhoso de ter uma amiga como tu...grandes palavras dadas com carinho chegam sempre onde queremos...ele sabe...beijo

7 de maio de 2008 às 00:29 

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