quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

recordo: os olhos tristes pousados no balcão e algum cansaço. tenho pena de te não ter dito nada, até amanhã talvez, até sempre ou até nunca. tenho pena de te não ter arrastado porta fora, solidão adentro, para te contar como são frias e sombrias as noites que habito.

desconhecido.

por: mar

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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

quis então ser noite, cobrir o corpo de escuridão e sentar-me a um canto, com as mãos descoloradas e a garganta vazia, à espera do miar do gato, à espera do cantar da coruja, até ver nascer as sombras sobre a orla dos candeeiros, até te ver passar com o corpo encolhido e uma certa tristeza a pesar-te as extremidades em direcção ao chão. quis então desapertar o amor de dentro do peito, gritar-lhe, baixinho, meia dúzia de silêncios, desses que mordem e matam sem que nos demos conta, desses que comem os sentimentos devagar, até nada mais restar senão a ausência, a ausência e o vazio à tangente de uma inexactidão. e podia querer ser sempre mais alguma coisa, qualquer coisa que fosse, desde que tivesse um coração e dois braços. então: sou noite. sou o cansaço nos olhos e o negro no espaço, sou a longevidade das horas e o contrapasso do tempo, sou a penumbra e a dor, a dor que arrefece o corpo, o gela do músculo ao osso. então: sou. pudera ser outra coisa, mais do que isto, qualquer coisa que tivesse um outro coração, qualquer coisa que não fosse preciso berrar, nem gritar, nem gastar com as palavras assim escritas, qualquer coisa que pesasse menos e voasse mais.

por: mar

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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

e portanto é isto: a noite cai e tu deitas-te, por certo é tarde no relógio que trazes atado ao peito. estás cansado, tens os ossos do corpo desfeitos em pequenos pedaços, pedaços pequenos, bocados de caos. e portanto: estás sozinho e é noite e o teu coração é um ramo de flores secas a sujar a mesa da sala. quando sorris formam-se duas pequenas cavidades na tua face, junto às bochechas, rosadas como há tempos toda a pele do corpo. é nessas cavidades que se fecundam os meus anos, contados de trás para a frente, até à queda do meu mundo inteiro, até à sucessiva contagem decrescente. quando te secar o sangue nas veias explodes em pó, o resto, que é feito da noite, esta, onde se dividem os teus passos em compassos de espera sobre o tic tac do relógio, a bater-te do lado esquerdo do peito; o resto são talvez memórias, vãs memórias de um rosto onde era possível nadar sem morrer afogado.
hoje pensei em ti e deixei-me morrer um pouco.

por: mar

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sábado, 21 de fevereiro de 2009

o teu nome é pesado na minha boca, surda como as mãos paradas entre as curvas do silêncio. gritas: estou vivo. e partes. partes-te ao meio enquanto vertes meia-dúzia de palavras, pesadas como o teu nome na minha boca, surda como os silêncios na curva dos dedos das tuas mãos. tu balanças-te para a frente e cais um pouco, tu escondes-te por detrás dos ramos, o cedro é vazio como os teus olhos. então paramos de falar, nunca o dissemos mas secaram-nos as bocas, a língua dentro delas, os dentes todos, desertos como a astúcia das esperas. o teu nome, pesado, perdido entre algumas frases inacabadas, lançadas devagar depois da chuva, quando se aparta o tempo, se quebram as manhãs de sol. e depois. talvez hoje já não te lembres mas um dia fomos felizes.

por: mar

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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

nunca foi fácil fazer amigos, entender os pássaros, falar-lhes a minha solidão. sempre selei a boca a essas conversas, falas periódicas, decoradas até aos miolos. nunca foi nem nunca será fácil perder as asas em pleno voo, cair, estatelar o corpo contra o paralelo da praça e esperar, esperar um olhar antes do pneu de um carro, esperar duas mãos antes de uma segunda morte. a morte é violenta. a morte é quieta. a morte é pacífica e eu não quero morrer. nunca foi fácil ser pássaro, pelo contrário, sempre duvidei das penas, cruzadas, as penas cruzadas num corpo faminto de beijos. os ramos são-me largos e eu não caibo neles. a solidão é uma árvore nua. 

por: mar

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terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

às costas trazes a vereda, pesada como o coração, para a frente o corpo, inclinando os gestos, pesando a cabeça na dor de te voltares, na boca o sabor do asfalto, árido como os sentimentos. agora estás longe e é longe que vives, a secar numa corda qualquer, num qualquer quintal, numa casa da quinta, atrás dos arbustos, onde o bosque morre e começa o pasto. e é da morte que me gritas, a dor nas costas quieta, o corpo que é vago como as palavras, é da morte que me compreendes, ainda que não haja compreensão possível para a desolação do amor. talvez hoje entristeças, tu que nunca soubeste qual o sabor das lágrimas, talvez hoje chores com o corpo pálido e as mãos geladas. se escalares o caixão e subires à tona da terra faz de conta que já me esqueceste, finge até que não me reconheces. quero perder-te como se perdem as memórias com o passar dos anos, quero enterrar-te a lembrança com o azedume do que vai e não volta. 

por: mar

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segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

anoitece cedo deste lado do amor: penso. fecho os olhos e conto os dias no avesso das estações da pele, os corpos estão despidos como árvores na ante-véspera, com o inverno em tons de geada, pousado sobre os ramos nús. estou morta, e desces-me pela encosta dos olhos, deixas-te cair com as folhas no chão de algumas almas. tudo o resto é incerto e sombrio ao mesmo tempo. há dias, há alguma solidão, há bagos cheios de lágrimas e uvas sem videiras, mares sem ondas. há noites de solidão onde palavras, ou versos, são pesos no coração. fecho os olhos, respiro fundo, digo: anoitece cedo deste lado do amor. e fico, assim, para sempre, só.

por: mar

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domingo, 8 de fevereiro de 2009

moras no rés do chão de um prédio coberto de teias de aranha, ao fundo da rua, no virar da esquina à esquerda, por detrás das lágrimas, onde o sol bate mais brando de manhã, nos subúrbios de um qualquer coração. andas sempre em viagem, de lá para cá, dali para aqui, até perderes as mãos nos acenos e a boca na palavra, a súbtil palavra, dita à tangente dos lábios amargos: adeus. e todos te conhecem a solidão, desesperada entre a ladainha das palavras pesadas, caídas no fundo do teu coração. o resto são versos de um poema sem rimas, com a desilusão a comer as sílabas e as frases torcidas em saliva incauta. porque longas são as estradas para os subúrbios. 

por: mar

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terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

preso às barras do tejadilho do corpo ele espera. dobra-se em risos e a pele enrugada da superfície da face enche-se de gretas, está para morrer já há dez dias. o vento passa-lhe entre os dentes ralos e corta-lhe a ponta da língua, abrigo de palavras difíceis, desce-lhe pelo esófago e causa-lhe gases. não conta a idade desde o nascimento dos dentes do siso, está velho como as unhas dos pés. o velho que tem mais ou menos a minha idade e pensa com a franja do cabelo, aninha-se na antena de um rádio avariado e espera, morde o tempo, espera que ela volte para de novo lhe prometer o amor que nunca sentira.

por: mar

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entrego-te hoje os espinhos, comi as rosas. alimentei-me dos jardins da eternidade e, pela noite adentro, fui estagnando as desculpas e a misericórdica.por isso hoje te digo, no alarme de me reconhecer a queda subsquente, que estou morta. talvez não te apercebas ainda mas já não há música nos meus passos e, ainda que te pareça cobarde, só te quero dizer que vou embora.

por: mar

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domingo, 1 de fevereiro de 2009

há sempre melancolia num rosto antigo, antigo como a madeira oca das escadas que dão para o sótão, como o meu...  há já algum tempo que venho a habituar-me a esta tristeza, arrasto o silêncio, prendo as mãos à solidão, mas hoje apercebi-me, por muito que fuja no sentido contrário hei-de sempre chegar ao teu coração. todos os meus gestos são palavras escritas num papel amarelado, que há-de envelhecer com o tempo, humidificar com a chuva, a carta que nunca lerás, e embora saiba de antemão que nunca mais nos veremos, não posso parar de te escrever. deve haver alguma lógica no amor, eu nunca a encontrei. com o tempo aprendi a lembrar-te por entre sorrisos, aprendi que o futuro é uma convergência, um gatafunho escrito em cima do joelho. hei-de amar-te sempre e se o sempre durar o que penso que dura, hei-de morrer como um barco que apodrece no cais, abandonado ao longo passar dos anos, ou das ondas. 

por: mar

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