quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
quis então ser noite, cobrir o corpo de escuridão e sentar-me a um canto, com as mãos descoloradas e a garganta vazia, à espera do miar do gato, à espera do cantar da coruja, até ver nascer as sombras sobre a orla dos candeeiros, até te ver passar com o corpo encolhido e uma certa tristeza a pesar-te as extremidades em direcção ao chão. quis então desapertar o amor de dentro do peito, gritar-lhe, baixinho, meia dúzia de silêncios, desses que mordem e matam sem que nos demos conta, desses que comem os sentimentos devagar, até nada mais restar senão a ausência, a ausência e o vazio à tangente de uma inexactidão. e podia querer ser sempre mais alguma coisa, qualquer coisa que fosse, desde que tivesse um coração e dois braços. então: sou noite. sou o cansaço nos olhos e o negro no espaço, sou a longevidade das horas e o contrapasso do tempo, sou a penumbra e a dor, a dor que arrefece o corpo, o gela do músculo ao osso. então: sou. pudera ser outra coisa, mais do que isto, qualquer coisa que tivesse um outro coração, qualquer coisa que não fosse preciso berrar, nem gritar, nem gastar com as palavras assim escritas, qualquer coisa que pesasse menos e voasse mais.
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