quarta-feira, 30 de abril de 2008

Afoguei-me nas palavras como um peixe fora de água


* foto de Daniel Camacho;

Chorei!
Cravei os meus olhos com o suor frio das saudades que carrego no peito,
dentro do peito, por entre as vísceras, nadam os peixes de um oceano sem dono!

Morri!
Com a cal dos dias repletos de memórias adormeci-me,
adormeci-me nas tuas palmas,
cega de um amor inteiro que se mexia como um lençol estendido ao vento.


Se a vida me chorasse ao menos como se chora a morte de alguém que amamos, se a vida me risse com a boca que usa para me insultar. Se o céu não fosse o limite e a bagagem coubesse nos meus bolsos.
Não condeno as ruas estreitas, não balanço a incerteza e por dentro da pele, nas veias, corre o sangue num contratempo desapontado. Rascunhos perfeitos de palavras que não sei se um dia conseguirei soletrar ao teu ouvido.

Afoguei-me nas palavras como um peixe fora de água.
Canto a breve exactidão dos passos ao teu encontro,
assobio a ausência soltando-a aos poucos,
desamarro as faltas e as inquietações.

E hoje saí de mim para me ser em Ti, de tal forma que julgo que o meu corpo deambula como um cego à toa, pelas ruas amontoam-se as palavras que se soltam da minha voz e te levam os meus sussurros. Rasguei os meus medos ao meio e partilhei-os contigo.

Beija-me a verdade calada,
muda!
Silencia-me com o sabor equacional dos teus lábios.

Despi o eco com o suor das mãos envergonhadas,
atadas atrás das costas,
presas como o céu dentro dos teus olhos,
escondi-me mais um pouco e em jeito de menina
ofereço-te os meus sonhos numa bandeja de sorrisos soltos à socapa.


para lb

por: mar

4 comentários





terça-feira, 29 de abril de 2008

A menina de Aço

Com apenas 6 anos Matilde já arrumava a loiça do pequeno almoço e varria a cozinha antes de sair para a escola, muitas vezes ia descalça com umas folhas debaixo do braço, se lhe perguntassem se não tinha frio aos pés nas gélidas manhãs de Janeiro a menina respondia que não tivera tempo de se calçar como se essa fosse a sua única verdade. A sua mãe sofria de uma terrível doença que na aldeia era tida como uma possessão do demo, transtorno bipolar de personalidade, às vezes perseguia Matilde com vontade de a matar, obrigava até a menina a esconder-se dela e a dormir no campo ao relento, mas na aldeia todos sabiam que Dulce amava a sua filha mais do que a tudo nesta vida e só não a tratava melhor porque uma terrível força do mal a possuída ou a doença que mais tarde os exames médicos vieram a confirmar, desmentindo as certezas doentias daquelas gentes. O seu pai era um homem trabalhador, saía todos os dias às seis da manhã só para chegar depois das sete da noite, sentia, na maior parte das vezes, um medo terrível da sua esposa e embora céptico sempre se deixara levar pelas vozes das viúvas de negro e dos homens reformados da aldeia, cuja tradição de tão enraizada já não podia ser posta em causa, amava a sua única filha mas, no entanto, nunca havia tido coragem suficiente para enfrentar Dulce e impedi-la de bater na pobre Matilde, não passava por isso de um Joaquim.
A aldeia era pacata, uma aldeia parada no tempo, com muito pouco para viver e com outro tanto para fazer, as casas estavam tão longe umas das outras que os "vizinhos" mais próximos que Matilde tinha viviam a 500 metros da sua casa, a escola ficava no outro canto da vila e todos os dias de manhã e à noite Matilde fazia mais de 30 minutos a pé, os amigos eram poucos, Matilde nunca tinha tempo para brincar, tinha sempre os afazeres domésticos, os deveres da escola e outros hábitos que gostava de cultivar.
Um dia Matilde descobrira que na "Casa do Vale" vivia uma senhora da cidade, uma filha dos donos que tinha vindo cuidar da sua mãe que ficara acamada, então curiosa como era decidiu ir até lá, a senhora era muito simpática, deixou-a entrar ofereceu-lhe um pão com manteiga e ao ver Matilde tão fixada na sua estante de livros deixou que ela escolhesse um para levar, Matilde começou assim por ler um livro por semana até já não restarem mais livros que a senhora Adelaide lhe pudesse dar, Matilde guardava todos com muito carinho em caixotes, escondidos dos olhos de toda a gente, no meio do palheiro. A D.Adelaide começou então a mandar vir livros da cidade para Matilde, ali Matilde encontrara o seu melhor hábito mas também o mais viciante. Na "Casa do Vale" Matilde também se tinha acostumado a ouvir música clássica e a tocar viola, sabia tocar muitas canções dos tempos da desfolhada e da vindíma, tinha sido o marido da D.Adelaide que lhe ensinara, quando viviam na cidade ele tocava viola com os amigos num café. Ali Matilde aprendera a sentar-se direita à mesa, a colocar os talheres na mesa da devida forma, aprendeu a servir e foi isto que lhe deu as bases para, quando tinha apenas 8 anos, começar a servir à mesa no pequeno tasco lá da aldeia, ganhando dinheiro para sustentar a família quando a sua mãe caiu doente na cama.
Nunca tivera tempo para cultivar as amizades, achava que ninguém queria ser amigo de uma menina assim, até ao dia em que se apercebeu do quanto se sentia sozinha. Nesse dia a noite caira mais cedo, o tasco fechara mais tarde, a sua casa ficava a 50m de viagem a pé, o céu estrelado era a sua única companhia de viagem, enquanto caminhava apressadamente sentiu necessidade de conversar com alguém e criou o seu primeiro amigo, depois criou vários, diferentes personagens do seu dia-a-dia que a acompanhavam sempre, deu-lhes nomes e começou a escrever sobre eles numas folhas coloridas que a D.Adelaide lhe tinha oferecido.
Devagar Matilde começou a ficar mais magra, o trabalho era muito para uma simples criança, começou a comer pouco, a dormir menos, a sentir-se cada vez mais só, tanto que começou a não aparecer na "Casa do Vale". D.Adelaide de dia para dia sentia, cada vez mais, a falta da menina, gostava de a ver entusiasmada a admirar o seu novo livro ou então de a ver a dedilhar músicas na velha guitarra "Blue Bird" do marido, para apagar a falta entretinha-se a ler o que a doce Matilde escrevera naquelas folhas coloridas.
Um dia os sinos da capela acordaram a aldeia,os gritos de um pai desesperado anunciavam a aflicção, o choro trémulo e a voz que se cala para dar lugar a um intenso pesar. Dulce estava apática e assim permaneceu, os medicamentos tiravam-lhe as emoções mas Joaquim nunca havia sentido tanto a vida.

Num desses meus passeios pelas aldeias de Portugal descobri uma casa antiga, toda em pedra, grande rochedo sobre o verde, entrei abismado com aquela grandiosidade, perguntei à senhora se podia visitar a casa, disse-lhe que estava a pensar comprá-la e ela deixou-me estar à vontade. A casa era mágica, na parede da sala a fotografia a preto e branco do brasão da família, "Casa do Vale", em cima da mesinha um pequeno conjunto folhas coloridas agrafadas, um diário tosco, "A Menina de Aço", o título estava escrito numa letra diferente, as palavras do diário soavam leves ao entardecer, li tudo de um trago durante uma pausa de respiração e deixei que algumas lágrimas me corressem rosto abaixo, fixei meu rosto no horizonte e pensei "a minha primeira filha chamar-se-á Matilde".


Dedicado a todos os que me têm lido.



por: mar

6 comentários





segunda-feira, 28 de abril de 2008

Antecipando o Gesto


* foto de Teresa Gonçalves;


As mãos presas atrás das costas antecipam a partida,
na migração dos sonhos não encontro uma morada diferente.
A casa caiada com os toques insuficientes,
as paredes pintadas de sorrisos inteiros,
a mesa coberta pelo pó de um passado partilhado.

Os meus olhos antecipam os teus,
as minhas mãos antecipam as tuas,
os meus sorrisos antecipam os teus...
na antecipação de todos os gestos
cabe por inteiro uma vida!

Quando te conheci trazias um mundo cheio, um corpo inteiro, um modo de ser em devaneio mas depois castigaste as mãos e fechaste-as atrás das costas como se a culpa de estares sozinha fosse delas. Antecipaste o medo e a prisão de um mundo que nos pertenceu um dia, antecipaste um fim antes de teres descoberto o começo.

No princípio era só a antecipação!

Correram os meus braços ao encontro do teu corpo, nos poros estavam escondidas uma centena de carícias que haveriam de ser dadas antes que a noite se descobrisse no final dos dias. O relógio já batia nas horas que não passavam, tudo era tão devagar que eu tinha tempo de sorrir e chorar ao mesmo tempo. A vida é feita de todas estas contradições!

Esperei!
Respirei!
Olhei as minhas mãos onde sentia as tuas ainda,
toquei-as uma infinidade de vezes em tempos diferentes.

Neste compasso de espera a minha vida não passa,
cai!
Cai sobre mim e sobre ti em forma de faltas e saudades.

Pinto-te os dias com o arrasto da vida, desenho-te o rosto com a força de meia dúzia de gestos que deveriam ter sido eternos, escrevo-te as linhas, os contornos, os detalhes como se a brevidade de cada passo antecipasse os gestos que o seguiriam.



Antecipando o gesto prolongo o sempre!




por: mar

5 comentários





domingo, 27 de abril de 2008

A vida é tão sem dono como um cão vadio!

* foto de Daniel Camacho;

A vida é tão sem dono como um cão vadio!

Cala-te!
Ouve-me!
Se o amor são dois tempos eu já estou no segundo.


Há no teu olhar um detalhado bosque, altivo, forte, cativo de gestos sufocados nas mãos que não alcançam mais do que a si próprias. Há no teu olhar tão delicadamente pousadas mil aves migratórias prestes a voar, com a aproximação da Primavera. Há no teu olhar um vale de girassóis plantados, floridos eternamente. Há, há no teu olhar raízes bem profundas de tudo o que um dia foi passado.

O passado é o presente mascarado no Carnaval do futuro.

Canções de amor são prelúdios anunciativos de um estado de espírito,
verdades indefesas que se estendem no estendal da vida sem vergonha de se mostrarem.

E há no teu olhar palhaços sem medo, de tempos que em segredo já lhes pertenceram, há vozes distantes, risos ausentes e esperanças dormentes que esperam isoladas no tempo. Há jardins de rosas coloridos, com espinhos doridos, com vida em desalinho. Mas há no teu olhar um passarinho que canta o futuro enternecido com as asas apontando para Sul.

A vida é tão sem dono como um cão vadio!

Não há no teu olhar o meu cravado,
não há tintas de luz no teu passado,
não há muros que se erguem entre nós...
Só há um bosque inteiro onde te escondes,
um mundo renovado onde me encolhes
por detrás de tudo o que habita em nós.

A vida é tão sem dono como um cão vadio!

Sou uma sem- abrigo. Todos somos!

por: mar

5 comentários





sexta-feira, 25 de abril de 2008

Caso Raro


* Eu;


Na sombra de um olhar plantado está o trevo de quatro folhas.
Cresce?
Não cresce!
A minha sorte é como a Primavera em Moscovo!

Se estivesses aqui levava duas almofadas para a rua
e sentavamo-nos no meio da estrada a ver as estrelas no céu,
quando a imaginação trabalha
até duas lágrimas se transformam em braços que nos envolvem e nos sorriem.

Sou um caso raro, menina alada, já to tinha dito, caem os cachos dos meus cabelos como bagos de uvas que escapam das mãos do agricultor na altura das vindimas, os meus olhos são de um castanho eterno cobiçado por muitos castanheiros, quantos deles não gostariam de ter fechados nos seus ouriços estes meus intermináveis outonos! Já os meus lábios saciam a sede dos silêncios, carregam de palavras o mundo desfeito pelo pingo de suor das bocas seladas.

Guardei um gesto para ti quando quiseres descobri-lo
ergue aos céus o eco dos sucalcos e escava na terra as tuas pegadas.

Pinta-me no céu dos felizes, forma de anjo, conteúdo de anjo.
Nas penas das minhas asas escondem-se as sortes das tuas penas!


Não choro! Se a noite é a felicidade dos loucos serei eterna louca, viverei à noite! Julguei que os meus passos só conheciam uma casa afinal conhecem várias. Por onde caminhares um dia hei-de caminhar, o teu caminho é a minha vida escrita pelos teus pés. Onde estiveres um dia hei-de estar. Quero tocar o que tocas para me reencontrar!

Nunca estarás tão longe que eu não te possa ver com os olhos do meu coração,
nunca ficarás tão distante que eu não seja capaz de abraçar-te com os braços do amor.
Nunca!

Se um dia te vir na rua hei-de piscar-te o olho esquerdo,
sorrir ao de leve e esperar que me venhas abraçar!
Os meus braços estarão sempre prontos para te receber,
a minha boca continuamente alerta,
os meus olhos despertos para te olhar.

Chegarás montado num corcel branco e gritarás o meu nome destruindo as torres do castelo.
Meu castelo está em ruínas!
Não!
Enganei-me no texto, neste ainda nem sou princesa quanto mais rainha.








Um Caso Raro, para ELE

...

por: mar

7 comentários





quarta-feira, 23 de abril de 2008

Antes de partir, morri!


* foto de Graça Loureiro;



Quem sabe se não morri antes de partir!
Quem sabe se não me fui antes de fugir!
Quem sabe até se entrei antes de sair!


Antes de abrires os teus olhos já nada de mim havia,
nem a dor da minha sombra, nem a minha companhia.
Antes de sorrires já eu me apodrecia,
nas esquinas do queixume, nas arestas da melancolia.

Tu dormes encostado ao tempo como um cão vadio preso ao relento, fecho a porta devagar atrás de mim, deixo ficar os meus pés junto à tua cama, hei-de voltar em forma de lembranças para te preencher de tristeza, se deixares escrevo-te uma carta com o pensamento atado na saudade.

Já parti, não corras...!
Se correres volto só para apagar as minhas pegadas,
não me procures!


... adormeces-te e eu fui, vagueei por todos os cantos da casa, comi os carinhos que me deu, bebi as lágrimas que chorei e depois esqueci as minhas mãos no teu rosto e fugi. Se ao menos tivesse levado a tua mão para apertar contra o meu peito nos momentos de sufoco, se ao menos tivesse levado os teus braços para abraçar quando me sentisse só, se ao menos... se ao menos não tivesse a coragem de ir sozinha! Mas tenho!


Fechas os olhos devagar. Não adormeças!
Não, amor! Não adormeças!


Tu não sabes que me vou embora e adormeces devagar, eu não quero mas tenho de ir, com os olhos cheios de lágrimas empurro o nosso mundo e liberto as lágrimas. Se acordares e sentires a minha falta olha para os meus olhos que ficaram parados nos teus, vê que és a menina dos meus olhos.


Antes de partir, morri no amor que sinto por ti!


por: mar

5 comentários





terça-feira, 22 de abril de 2008

A tristeza é o meu dom, a desilusão a minha casa...


* foto de Daniel Camacho;


Já incentivei o vazio a crescer, já semeei sorrisos e cultivei mágoas...


O mundo é a raiva dos loucos, o sufoco dos sãos...


Não embelezo a minha vida com flores que são a minha mentira,
não pinto a vida de cores claras, quando a humidade vem tudo volta a ser escuridão.
Se existo para ver passar a vida prefiro nem existir.



E vocês?
Fazem de conta que conseguem!
Fazem de conta que transformam o mundo com as palmas das mãos.
Vivem fechados na música repetita pelo giradiscos estragado.

Apodrecem-me as mãos com as flores que não me oferecem.
Empobrecem-me os braços com os abraços que não recebo.


A tristeza é o meu dom, a desilusão a minha casa...


Sonho!


por: mar

6 comentários





segunda-feira, 21 de abril de 2008

Abraça-me


* foto de Daniel Camacho;



Abraça-me as manhãs,
cala-me as horas!

Abraça-me as noites,
cala-me os segundos!

Abraça-me as tardes,
cala-me os minutos!

Parei de te calar para me calar, não há maior desafio do que calarmos o que nos chora com o mesmo louvor com que calamos o que nos sorri, por isso calo-me, dentro e fora de mim já nenhum barulho é maior do que a minha paz, já nenhum ruído alcança a magnitude do meu amor. Quero um abraço! Abraças-me?

Caí!
Eu nunca fui daqui,
hoje sei que se daqui fosse algo em mim estaria completamente errado.


Talvez não me pertença
e se assim for perdoa-me ter roubado as estrelas para tas dar,
ter capturado o mar para to entregar.
Perdoa-me!

De que cor pintas os teus sonhos? Eu pinto os meus sonhos das cores do teu rosto! Se este não for o momento para sermos felizes quero acreditar que ele chegará, mais tarde ou mais cedo chegará. Se fechares os olhos consegues ver-me abraçada a ti?
Entre nós não quero mais nada que não seja sinónimo de amor, entre nós quero um riso maior que o Universo conhecido e desconhecido, em meus sonhos ainda o Universo é maior do que o pensam. Não quero nada mas quero tudo e por querer tudo tão de repente fico-me por aqui.

Abraça-me!
Amanhã já fui pelos emaranhados caminhos da vida
ou
pelas teias da morte.

Abraça-me ontem!
Hoje já me cheira a amanhã,
o tempo passa tão depressa que nem dou conta da sua presença.



Abraça-me a alma inquieta por ter de partir.



por: mar

4 comentários





quinta-feira, 17 de abril de 2008

A noite é o meu Inverno


* foto de Daniel Camacho;


Fecho os olhos,
abro os olhos,
noite em mim,
noite fora de mim.

A noite desceu as suas mãos e tocou-me,
caiu por mim abaixo e adormeceu aos meus pés.

Antes de acender a luz quero olhar-me no reflexo de estrelas no meu tecto, sentir que se abrem as memórias e as espremo até nada mais restar senão as paredes em branco. Enlouqueço na frenética falta que me faço, escrevo-te apenas em murmúrios porque o resto são as palavras que nunca te disse. Recordo o som ausente dos teus passos, a cadência de suspiros que já não ouço. Escuta-se a distância nos passos como quem sente a falta na voz.

A um canto apodreço como uma fruta no chão.

A noite é o meu Inverno!
Choro!
Se o choro me trouxesse a Primavera.


Escondo-me no sótão.
Fingir é melhor do que esperar.

Tenho de abrir as persianas, a noite é uma opção, o Inverno é uma preferência. Está tudo dentro de nós, se quiseres transformas o Inverno em Primavera com a mesma facilidade com que transformas a noite em dia. Faz as tuas escolhas! Vive a tua loucura! Tudo acontece de dentro para fora de ti.


Cá dentro já não é hoje,
é o ontem parado,
o abraço rasgado que nunca cedeu.

Lá fora já não é ontem,
é o amanhã a avançar com rapidez
se não me despachar não consigo acompanhar o tempo.


A noite é o meu Inverno!


por: mar

5 comentários





quarta-feira, 16 de abril de 2008

Olhar de Chuva


* foto de Tiago Phelipe;

Faminta,
esfaimada,
esfomeada de tanto querer!
Soturno fastio,
lúgubre, aborrecido,
entediado e opulento olhar.

Chove em mim lá fora, tão dentro de mim que o meu coração se molha. Pingos de padecimento enchendo-me a alma, salvo o que de melhor tenho, afogo o meu pior. Quero cuidar de ti! Quero tratar de ti! Tomar conta de ti! Torcer as minhas mãos até te conseguir dar tudo o que tu precisas. Deslocar os pulsos até conseguir oferecer-te o que mereces. Constranger-me!

Imcumbo o olhar de seda,
chove dentro da índole, no cerne do que sou.
Agito a bandeira da paz como se fosse ontem o dia da despedida.
Hoje quedo-me, calo-me! Fico-me!


Se não chovesse tanto ia até ti roubar-te um beijo,
só porque a falta que me fazes já me balança os dias de vida,
morte é realidade,
vida é ficção.


Sinónimos?
Não sei de que queres que fale!

Antónimos?
Sei bem de que queres que te fale.
Não?
Sim!
Agora?
Depois!

Chove nos teus olhos, de-ses-pe-ra-da-men-te. Quem nós somos? Pingos de nós mesmos! Choro! Crito! Por dentro da verdade escreve-se a pena com letras maiúsculas. Tu sorris enquanto por detrás de ti o mundo se deixa cair e ruir, e ris de mim? e choras de mim? Choves todo à minha frente.


Não volto! Não volto! Não volto!

Enquanto escrevo cai a chuva na vidraça, o reflexo nítido dos teus olhos defronte, os meus cobrem-se de lágrimas e deixam-se chover. O dia é cinzento como eu, a alma parte-se com o vento que sopra, chora com a chuva que cai dos céus. Olhares de chuva na hora do último adeus!








por: mar

5 comentários





terça-feira, 15 de abril de 2008

A falta que tu não fazes e aquela que sabes fazer...


* foto de Sónia Cristina Carvalho;

Não toquei os teus olhos, não os toquei com receio de não tos conseguir entregar depois, quando se ama assim não se toca nada com medo de se estragar tudo. Eu amo e não sou excepção, não sei se consigo, não sei se posso desprender-me das mãos que se abrem, do peito que bate, do coração que se sente, dos olhos que não se fecharam mais.

A falta que tu não fazes!

Conto as tuas histórias às pedras dos meus dias,
calo as tuas memórias nas madrugadas frias,
foste!

Reintegro a agonia dos dias,
decoro as peças do puzzle,
vens!

Se me tivesses ensinado a esquecer-te ou pelo menos a lembrar-te menos vezes, agora não me custava tanto saber-te longe. Acostumaste-me à presença delinquente, à proximidade irreverente, a ter tudo, a nunca sentir saudade de rigorosamente nada. O costume é dos maiores culpados da dor.

Sorriso aberto,
peito dilacerado,
amor a um canto,
sentado,
esperando-te!

Mãos em renúncia,
corpo entreaberto,
a vida em reviravoltas,
um segredo desperto,
esperando-te!


Pendura o teu casado no bengaleiro e enquanto chover dos meus olhos deixa-te ficar aqui.
Queres ir embora vai!
Não espero! Não danço! Se fores vai rápido, eu não te quero ver mais.


A falta que tu não me fazes é da cor dos dias,
de todos os dias que passo comigo,
não há ninguém no mundo capaz de me fazer melhor companhia.

Aquela falta que me sabes fazer é da cor das noites,
de todas as noitas que passo sem ti,
não há nenhum corpo que me possa aquecer senão o teu.


Queres ir embora vai!
Não espero! Não danço! Se fores vai rápido, eu não te quero ver mais.







por: mar

2 comentários





segunda-feira, 14 de abril de 2008

Se o adeus for para sempre


* foto de Índia Lua Selvagem



Roo as unhas,
miro a morte!

Se o adeus for para sempre,
mato o sempre.


Quero chorar os teus olhos no meio dos meus cabelos,
agitar as mãos em sinal de socorro,
abrir os braços para abraçar os teus lábios na minha boca.

Deixei de lado o ódio premeditado, soltei a penumbra dos gestos e respirei o ar puro do teu sentir, curvei depois os queixumes até ao limite com o desejo de matar a dor a segundos de mim. Toquei no fundo do ser em alarme, vagueei pelos teus segredos tentando encontrar um canto onde me esconder. Dentro de ti só se agita o vento e a vontade de o ter preso ainda em mim. Nas caminhadas do amor já nada se repete e tudo fica preso ainda aqui, por muito que o sempre dure.

Não me digas adeus logo à chegada
senão sabes o significado de partida.
Morri!

Morri as lágrimas geladas nas tuas pernas
quando me pegaste ao colo,
fitei o horizonte como se uma nuvem
em forma de coração se aproximasse.

Se um amor não pode ser para sempre, um adeus também não!

Escrevi-te a pele ainda ansiosa e parada, respirando os poros da minha, desenhei-te em formas de eternidade sobre o papel do destino que nunca rasgarei. Saltei de mim, sorri em mim com o corpo todo em perfeita harmonia com o tempo. O tempo é a suposta sugestão de quem se sente vivo. Imperfeito é o ser que não teme o tempo e as suas teias.

Roo as unhas,
miro a morte.

Sou o assassino do adeus.
Amo-te!





por: mar

4 comentários





sexta-feira, 11 de abril de 2008

Faz-me morrer!


* foto de Marta Ferreira

Fazer-te sofrer faz-me morrer.

Apago a luz,
faço a cama,
as ideias estão misturadas,
as frases também.
Não interessa!

Faço a cama,
apago a luz.
Agora sim!

Saio com a mochila às costas, não espero por ti. Se chegares tarde sentir-me-ás longe demais, se chegares cedo chegarás a tempo de sentir o meu cheiro, se quiseres lambe a maçaneta da porta terás o sabor da minha pele nela. A partida já está quase a chegar, numa corrida de vidas não há quem nos acene. Não há adeus!

Se me pedires para ir eu deixar-te-ei. Não mando em ti! Nunca mandarei!
Tão longe e tão perto agita-se o vazio.

Faz-me morrer saber que te faço sofrer!

A saudade mata o queixume dos dias, as lágrimas correm rosto abaixo, assassino-as no canto da boca. Foi tempo! Foi vago e solto o tempo! Se sorrires hoje sorri para o céu, quando estiver longe saberei olhar-te o sorriso nas nuvens e sorrir também. O que não mata engorda, logo a saudade não mata porque me engorda com os momentos doces que passamos.

Queres ir?
Não te prendo aqui.
Se quiseres voltar sabes onde estou.
Se ficares aí saberei onde estás...
Volta!

Esta é tarde de todas as tardes, será tarde para o tempo acabar nas tuas mãos.

Acendo a luz,
desfaço a cama,
visto o pijama,
deito-me.
Agita-se-me no peito a inquietude.

Por debaixo de mim repousam os lençois de tantas idas e vindas. Não sei onde estás? Não sei para onde vais? Se o meu tempo se faz de ti hei-de morrer se fores. Ressuscitar! Quando voltares aqui estarei assim, a face agarra-me as mãos, os olhos tapam-se de dedos, os joelhos juntos revelam segredos de tempos de dores. Escondo-me! Fico-me por aqui!

Fazer-te sofrer faz-me morrer.




Este texto foi escrito para o João,
para que entenda de uma vez por todas
que não quero que fique longe
mas não posso fazer nada se quiser ir.

por: mar

6 comentários





quarta-feira, 9 de abril de 2008

Caí de mim


* foto de Graça Loureiro;


Rejuvenesci as memórias soltas pelo acaso nos tons monótonos da pele, envolvi os meus gestos em sorrisos desfeitos pela voz do eco, que firme e segura brada aos sete ventos as verdades ruivas de tudo. Sacudi as estrelas que te cobriam os olhos para que te fosse possível assistir à cadência das sombras que se espreguiçam no meu colo.

Sair!
Carrego os sonhos às costas,
parto o norte e o sul em dois quero que fiques com metade,
não te tiro rumos!

Se deres conta de mim e saires de nós o mundo ficará do avesso.

Solto os braços do abraço antecipado,
dedilho as loucuras nos cabelos entrançados.
Respiro a dor!
Falo-te de amor!
Venço o sufoco antecipado pelos instantes demorados num cansaço farto.

O sonho desfeito é pior que a alma partida, as mãos são os seus gritos, os pés são as suas lágrimas e antes que se finde a esperança ainda a ilusão cruza a minha noite como uma estrela cadente. Se fosses Primavera eu era Inverno mas como sou Outono tu és Verão.

Inventei-te nas minhas unhas pintadas,
teci-te mil e um caminhos
tu não foste por aí e aqui ficaste agarrado ao meu nada.

Apontei o dedo ao amor por não saber lidar com a desilusão.

Caí de mim para morrer em ti. Ser defunta dos teus passos premeditados pelo destino que desconheces. Ser enterrada com os teus pesadelos no caixão dos teus segredos.


Loucura sã!






por: mar

5 comentários





terça-feira, 8 de abril de 2008

Baila Me


@ foto de Maria de Fátima Silveira


Rasga-me o corpo com o pudor do outro lado da porta!
Toca-me!
Se me bailares quedarei o tempo para ter-te sempre.

Estremecem-me as mãos enquanto balançam o espaço em brisas que o cabelo não consegue interromper também, o rosto quebra-se em risos circundantes e antes que a noite finde enterro os meus olhos nos teus.

Nada consegue deter a dança de corpos que se querem,
nada pode sustar o pecado original,
nada pode travar,
nada consegue parar
o baile entre dois olhares.

Antes de partires beija-me o peito no lugar do coração, preciso de sentir que a tua ida é uma consequente volta, quero alcançar o teu corpo e vestir a minha pele com o teu jeito secreto e engenhoso de sorrir.

Rodopio o meu corpo nas arestas do teu,
giro a minha voz na silhueta da tua boca.

Solta-se o suspiro calado na cortina corrida,
o corpo treme em uníssono num compasso que não pode ser detido.
Suavizo o toque, a pele num contratempo já se pausa ao cheirar a tua.

Sentir-te presente numa roda de risos inquietos é o essencial para me sentir eterna nesta dança de corpos que se desejam para a imortalidade, seguras-me o corpo pela cintura e danças-me o ventre com as mãos que não derrubam o intuito.

Fecho a porta atrás de mim e escondo-me com o pudor.
Sentir?
Sinta aquele que dançar sozinho por detrás das cortinas,
trancado num quarto escuro e vazio.
Dançar?
Danço eu no reflexo do espelho, a silhueta move-se num desejo abandonado.

Se eu me for agora o que será de nós?
Espera inútil!

Esvazio o ar do peito e morro numa dança acidental. Baila-me a sedução e o desejo num apunhalado de esperas cerradas em ti.








dedico este texto a um grande amigo
que hoje festeja mais um aniversário,
um grande Senhor, melhor escritor,
ao Cristóvão (freudnaomorreu)
http://sim-pois-sim.blogspot.com






por: mar

7 comentários





segunda-feira, 7 de abril de 2008

Não queiras saber de mim




Roo a tua ausência, brindo a saudade que me habita,
encosto a cabeça no teu peito e choro um bocado.
Cravo a minha voz no teu sentir embaraçado.

Hoje não estou aqui!
Não estou aqui!
Saí de mim para te inventar um caminho, uma dança!

Tapo a cara com as minhas luvas brancas como um palhaço envergonhado.

A tristeza dos dias encarrega-se de me fazer chorar com a chuva, soa a estranha esta emoção descontrolada, descompassado bater acelerado. Hoje fico por aí enrolada em mim se me vires chorar faz de conta que não conheces o sentido do choro. Já me encarreguei de te decorar as falas e os gestos, tudo fica simplificado antes do adeus.

Não queiras saber de mim...

Se hoje nem eu me entendo como posso exigir que me entendas,
cravo o rosto de sorrisos imcompreendidos e numa verificada quietude balanço o pó do caminho.

Se a dança tivesse um fim ele era os teus braços!

Chorei! Respirei a tua doçura e emocionei-te os passos.

Se fores por ali eu não me incomodo,
hoje, amanhã, depois, o dia pode findar contigo ao meu lado,
mas se estiveres longe e o dia findar
morrerá a eternidade dos gestos.


O mundo está do avesso, encosto-me a um canto e respiro a loucura das palavras enevoadas, obscurece o tédio, sombrea-se a verdade e o que é de mim sai do que sou para o ser na chuva. Agito os braços e grito o teu nome. O teu nome! Se não fosse o teu nome o que seria de mim? O teu nome simplifica-me os sinais. Sublevo o teu nome entre as palmas como uma bola que gira brincalhona nas mãos. Abano a cabeça em tom de negação e guardo o teu nome no bolso, sacudo a minha verdade e sinceridade dos braços, inquieto-me os sentidos e invento-te os passos antes de ires.

Não queiras saber de mim!

Se antes foste pó, cinza, nada, agora ainda és fogo aceso em mim.

Hoje não estou aqui!
Não estou aqui!

por: mar

7 comentários





quinta-feira, 3 de abril de 2008

Labiar


* foto de Graça Loureiro;

Rasgo a tua pele,
sugo-te a delicadeza dos carinhos,
se compreendesse qual o caminho que precede um mimo há muito que o tinha percorrido.

Deixei eclodir, desabrochar a verdade no meu peito,
respiro a angústia deslavada que me percorre as veias,
antes que o amanhã me persiga quero sentir o teu toque.

Vibramos todos ao mesmo compasso, esquadrinho o romantismo do teu corpo e vagueio pelos teus lábios, sacudo o pó dos ombros da história triste. Folgo o conhecimento do sabor, os teus lábios percorrem sequiosos a minha pele morena e antes que se alcance o prazer exalo a quietude sufocante antes de balançar o meu corpo pelo teu fazendo a felicidade dançar.

Carrego a tristeza às costas,
uma bandeja de sonhos nos teus olhos.

Recua por favor!
Esta música é demasiado triste para ser dançada por dois corpos nus.
Não quero!
Não sinto!
Desisto de soltar as amarras que nos prendem,
cesso as palavras.

Pendurei os teus sorrisos no meu tecto estrelado, empenho o encadear solto dos beijos, lábios quietos permanecerão intactos, suspendi o vagar irriquieto e desapertei os botões da tua camisa antes de te abraçar a saudade. Na sideral dos beijos vence o dissabor dos segredos. Cintila e brilha a porta entreaberta.

Não entres!
Não quero sorrir-te, não quero respirar-te.
Acabou a fantochada, acabou tudo.

Quero labiar os caminhos enquanto tento tecer a verdade.

Rasgo o sorriso enquanto carrego no colo a tua ausência.
Vai, sai daqui!
Fica aí!
Não quero saber de ti enquanto saires de mim.




por: mar

3 comentários





Osculatriz


* foto de Conceição Mais;


Improviso, riso,
enamorado ósculo que me compromete.

Poisei os lábios nos teus, envelheci as horas que não matei, na embuscada do amor eu sempre soube que sons se desprendiam dos teus braços, gestos e carinhos que me aviltam e deslustram. Quis desenhar o sorrisos com as penas das tuas lágrimas, antes de se abrir a porta do futuro já se tinha fechado a janela do que por aí vinha. Entresteci as histórias com final feliz, na minha vida a gata borralheira não se torna cinderela.



Enovelo a distância com as mãos da falta,
intrinco bem para o resultado ser um ósculo eterno.

Sentes a minha falta?
Por quanto tempo?
Hoje viras o rosto e já não me vês do teu lado.

Respeito a tua ida e a tua vinda, o regresso nem sempre é sinal de retorno, quando a alma está vazia de amor nada a enche, não deixes alvorecer a saudade, rompe a bagagem antes que ela se solte e disperse sobre mim, não quero enjoar os sentimentos com melodias ocas e repentinas.

Só quero um simples ósculo.
Dá-me! Dá-me e volta para a morte prematura.


Apaguei o teu nome da minha memória, quem foste já morreu dentro de mim, reciclei o sentimento e deixei-me ficar com as portadas entreabertas esperando que alguém chegasse de novo. A dor alastra-se sem receio no âmago da alma! Toca-me ao de leve os lábios sedentos, cega-me o amor perdido no teu caminho. Descruza os braços! Anda! Porque me esperas se sabes que não chegarei?

Na osculatriz a quimera desimpedida,
o amor desinibido a bater-te na alma como a chuva nos telhados de vidro.

Beija-me...



por: mar

4 comentários





terça-feira, 1 de abril de 2008

Enlear


* foto de Filipa Mateus


Descruzo os braços, moldo o meu tédio,
finjo que o futuro é um pássaro e agito-me nas suas penas.
O choro! A raiva!
Cravo-te a pele de desencontros e enganos.
Mentir é feio.




Fala-me baixinho, ao ouvido, confessa-me o presságio.

As mãos que não se dão tocam-se apenas, um abraço assim dado na presença dos corpos, na agitação do espaço, morri nas palavras que nunca disse. Os silêncios carregam a imprecisão de toda uma vida. Não é justo deixar cair o véu que me tapa a cara. Escondo-me de mim!
Pára de falar a verdade com mentiras, solta-me as mãos despertas pelo teu toque, enrosca a tua voz na minha e pronuncia a enfase do gosto. Não serás capaz de ser feliz!

Enquanto for viva queimarei o que me disseste com as tuas lembranças,
memória?
Tocas-me a pele com a exactidão dos instantes.

Morrerei no teu toque se não me deres a tua mão.

Enterro o toque no meu coração, haverá flores enquanto for Primavera. Melindro-me a voz enquanto enlaço o que sinto, em jeito de simpatia desenho na tua pele o meu rosto, tatuagens de mim que nunca apagarás. Se me enleares a alma pode ser que consiga respirar-te.


O abraço dado pelas mãos é a verdade daquilo que não se diz.



Torneei o teu tacto,
arredondei o teu toque,
encaixei o teu olhar no meu.
Faz-se tarde o cedo de te ter perto.

Poli o gesto, debastei sorriso e tu?
Rodaste da minha vida!



por: mar

5 comentários