sábado, 31 de janeiro de 2009

gostava de prometer-te que serás feliz, dar-te um abraço, apertar-te a alma entre as mãos, escoar-lhe todas as lágrimas. gostava. mas para isso é preciso segurar a ampulheta ao nível do coração, o tempo é um espaço perdido entre o que foi e o que será. por agora creio que posso promoter-te um dia, um banco, um jardim qualquer pintado por estações desocupadas como a minha solidão. posso prometer-te uma tentativa, um encontrão à tristeza, quem sabe te possa mostrar quanta saudade me pesa sempre que te sei de longe. por isso, parece-me justo enterrar-te ao sol, este sol frio de janeiro, já quase fevereiro no calendário do amor. parece-me tarde para desculpas ou promessas, é certamente tarde para correr ao teu encontro e entregar-te o meu corpo vagamente coberto de ti. 

por: mar

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não houve poesia na nossa despedida, saiste pelas traseiras, já noite, sem dizeres adeus. talvez tivesses uma razão para comeres o aceno, talvez não, mas nesse dia perdi o meu corpo. por isso hoje te escrevo, para te dizer a solidão que ficou entre as paredes da casa, sobre a tijoleira do mundo. para te contar os dias como se conta a tristeza, lágrima por entre lágrima. gostava de te ver voltar, na tua pressa vagarosa, ver-te cruzar a rua ao fundo e caminhar na minha direcção, as direcções são pontos sem retorno. gostava de te pedir que voltes, quem sabe dar-te a minha solidão para que finalmente a entendesses, mas não posso, não ouso dar-te a minha escuridão, não haveria contrastes, nem sombras, nem estrelas, nem luas. haveria um pano preto a tapar o presente, um ou outro raio de futuro nas manhãs mais claras mas o resto, o que fica para sempre, seriam passos às cegas em semi-círculos. quero morrer sem ti, desencontrada, ferida como uma ave sem penas, magoada como um girassol à chuva. quero dizer-te adeus hoje à tardinha, ver-te subir a rua com o cigarro entre os dedos, perder-te como ao fumo na garganta, e então estar certa de que foste para sempre. por agora, antes que hoje me mate esta tristeza, quero tocar-te e ver-te o movimento, como um pêndulo, dali para aqui, até que, num movimento brusco, me despedaces o coração. 



ao luas que ainda aqui mora
e ao luís nunes que mora ali,
numa rua pendular

por: mar

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quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

entrego-te hoje os espinhos, comi as rosas. alimentei-me dos jardins da eternidade e, pela noite adentro, fui estagnando as desculpas e a misericórdica.por isso hoje te digo, no alarme de me reconhecer a queda subsquente, que estou morta. talvez não te apercebas ainda mas já não há música nos meus passos e, ainda que te pareça cobarde, só te quero dizer que vou embora. 

por: mar

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terça-feira, 27 de janeiro de 2009

tenho sono. há formigas a morder-me as pestanas, pesadas como chumbo. roo as unhas, estremeço, enterro a cabeça nos joelhos, atiro algumas lágrimas contra as calças. quero é viver! adormeço. já tarde perco o autocarro entre os braços, atraso-me e fecho a porta, o pequeno-almoço está frio. espero o gelo no eco das paredes. esta casa é um deserto. ainda falo, pouco, que as palavras vão construindo muros na minha traqueia e o ar não passa. arrasto alguns silêncios, tiro as luvas brancas, encosto a cabeça ao vidro da janela. a vida é de uma beleza triste, espero-te. 

por: mar

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segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

de pé com a manhã balancei alguns medos, corri porta fora com o coração nas mãos e congelei a pele, do corpo inteiro, cravada de arrepios duradouros. depois de alguns minutos recuei onze tempos mortos entre os pés. fui. talvez porque acredite que ainda é possível quebrar o mundo. fitei o fim da rua, o fim da vida, tão breve como o voo das gaivotas, daquelas que te comem as penas no corpo ferido de ossos. e creio, amor, ter visto abutres, sobrevoarem o meu corpo abandonado e ali, a alguns, poucos, centímetros do passeio, me debicarem as saudades, encherem o papo de faltas. soube eu, pela manhã quieta adentro, que é possível ser pássaro sem ser ave, até porque nem todas as aves são rapinas.

por: mar

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quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

há um conceito que salta das tuas artérias, em sangue explode nos lábios. doem-me todos os ossos do coração hoje, desde manhã, quando o nevoeiro me comeu as mãos. queria escrever-te mas agora não sei como, as palavras que se dizem difíceis ardem-me na boca, os dentes de cinza pintados desenham esta certa ausência, amarga. consegui esquecer-me de ti, só por um instante, enquanto o corpo maneta berrava uma saudade menor, só do tamanho dos ossos que me doíam.

por: mar

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terça-feira, 20 de janeiro de 2009

eis a excepção.

há um sinónimo a roer-me o osso e hoje, que é frio, dói-me ainda mais não haver nenhuma proximidade entre os nervos e o músculo. deixo cair a chuva às margens da pele que é feita de arame farpado, talvez ainda não seja tarde para nascer. e na rapidez da pontuação do texto denoto que falta a simpatia das vírgulas,concluo que não me cabem entre os braços superficialidades tão grandes como sinónimos e esbracejo. nos textos de amor há sempre uma poesia labiríntica, morada de metáforas e eufemismos, talvez por isso sejam de difícil entendimento.

parabéns rui, sobretudo por seres antónimo e seres tudo menos superficial.

por: mar

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segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

na ataraxia dos meus braços estáticos adormece o amor. o meu corpo pendente para o lado oposto do coração respira um movimento, balanço atrás de balanço, por entre o rosnar de um ou outro gesto, porque os gestos são como as florestas dos trópicos, húmidos ou secos, dependentes da estação. e, no niilismo do meu coração, ajeitam-se corpos nús de sombras, faces sem perfil, até que se reencontrem as noções. no tempo/espaço dos teus silêncios ainda cabe alguma inflação e depois, no fim de tudo, ainda há um lugar vago, um sítio onde perfurar a solidão, espancar memórias. talvez hoje seja apenas um dia mau ou talvez seja o fim do mundo.

por: mar

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domingo, 18 de janeiro de 2009

gastou a tinta dos olhos a chorá-lo, depois agarrou na vida e fugiu, com o mundo inteiro às costas morreu, coração cheio no peito e do lado oposto um buraco negro, maior que qualquer promessa. é doente. o amor é-lhe um gato pardo a brincar na rua, podia ser preto mas ela nunca gostou de gatos pretos. gastou a carne do corpo ao tentar segurar um coração demasiado pesado, há muito tempo que é inverno no branco sujo de neve nos seus olhos.

por: mar

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escrevo-te um bilhete, na verdade nunca gostei muito de cartas. podia cola-lo na porta do frigorífico se tivessemos frigorífico, ou se tivessemos casa onde ter um frigorífico, ou se tivessemos rua onde ter uma casa. nunca soubemos abrigar o nosso amor. o papel está roído num canto, foi um rato, um dos muitos que habitam este não abrigo. serei breve, já me cansei de arrastar palavras e sentimentos.o que tenho para te dizer é simples: hoje estou triste. estou bem mas estou triste e não há forma mais dolorosa de se estar triste. acho que alguma coisa apodreceu dentro de mim, agora que penso, estou certa de que foi o coração, tenho uma ferida no lado esquerdo do peito.
a minha tristeza afasta-te, é por isso que a não alongo em cartas.

por: mar

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tenho os braços pesados e nunca aprendi a voar. as peles dobradas no ante-braço contam a velhice com os anos, apodrecem os ossos que caem em pó pelo soalho. a casa vem de longe com os teus braços fechados, de pele pálida, a morrer-te devagar. e a rua, que é feita das tuas lágrimas, mora na parte adormecida da cidade, onde à noite se assassinam palavras e se queimam gritos.

quero morrer longe, do outro lado do coração.

por: mar

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sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

do poema que ainda não escrevi:

não consigo respirar. do outro lado do mundo não se apertam as mãos, apertam-se os corações e os cumprimentos habituais sangram-me no peito. quero voltar para casa.

por: mar

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QUERO ESCREVER UM POEMA, já disse que quero escrever um poema, não me venham com prosas ou contos, muito menos textos, cansei-me de correr em frases, de alongar as sílabas, quero comer palavras, dar pressa ao movimento e, sobretudo, morrer em silêncio. apertem a voz no peito, mordam o som, sejam mudos, eternos mudos, com palavras na ponta da língua e deixem que vos fale com os dedos, eu QUERO ESCREVER UM POEMA. hoje aceito um tema, uma paisagem primaveril, palavras doces e ternas, um corpo para abraçar, um leito, mesmo que seja de rio, um leito onde adormecer, mesmo que sejam os vossos braços todos juntos, todos dados a fim de me não deixarem cair. mas por favor, por agora deixem-me em paz, quero ir, preciso, escancarar as portas, pintar paredes, naufragar os barcos antes que seja tarde. por favor não me deixem morrer sem antes ESCREVER UM POEMA.

por: mar

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podia, ainda posso, ser parte desta história, uma personagem que morre, uma colina em queda livre sobre o mar, alguma coisa com um destino trágico. mas não quero, descobri hoje que quero ser feliz. quero um lugar, uma casa, uma árvore com dois braços, dois pedaços de céu e, se puder ser, uma flor perfumada, tripas com cheiro a doces e um buraco onde cair. descobri que não me interessam os anos, não me incomodam as palavras ditas ao ouvidos, nem as mãos dadas, nem os corpos abraçados, nem os beijos de língua, a única coisa que me faz sofrer é a falta deles, ainda que me saiba bem uma certa distância. dei conta que a vida é superficial como o teu toque, nada me queima por já ser cinza. 

por: mar

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quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

tenho fome, penso enquanto encho o peito de memórias antigas. caminho dobrada, prestes a cair, um coração gasto, pesado, tenteio o corpo para to entregar são e salvo. são horas de chorar e esqueci-me das lágrimas. enquanto não chove corro em bicos de pés, não quero chegar-te tarde. apesar de tudo hoje estou triste, não por isto ou por aquilo mas por toda a gente, porque me querem mar e eu só sei ser rio. são horas de ir. há um lugar que me dói mais, fica-me entre os tendões no pulso, dói-me com o frio, com o gelo dos olhos abertos, redondos, mais mortos que vivos. tenho fome, penso enquanto desaperto os braços, preciso de morrer de novo. 

por: mar

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quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

desaprendo lentamente a amar-te.
e é devagar que te perco, te deixo descer do topo do coração aos pés da cabeça, te vejo sair, cair, morrer. é lentamente que te derretes nas pontas dos dedos onde o sangue adormece uma não fala. o amor sai do quadro, abandona a pintura ainda fresca, escorre pelas paredes e vem aninhar-se entre as cutículas onde habita toda a solidão. e a tarde nasce ao fundo dos teus olhos, recosta-se à íris e morde-te as pálpebras, berra-te uma dor qualquer que come os movimentos, grita-te as horas em corrida sobre o teu lombo.
e depressa desaprendo a amar-te

por: mar

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é da tua ausência que se pintam as paredes da casa. 
a tinta ainda fresca encobre as memórias sobre os tons de azul, ou pele, numa casa de portadas cerradas, onde a lua espera, fora da porta, a noite chegar. 
da raiz do cimento se fazem alguns passos, em sentido contrário, 
e é no fogo, ou cinza, ou brasa, que se queimam os gestos estáticos à porta do ser.
a breve palavra, entornada na madeira podre de um soalho antigo, antigo como os dias sem ti, entra-me pelo coração e vem atolhá-lo de recordações, em tempos de ser sozinha há dúvidas em ser inteira e o mundo cai-me ao chão. 

por: mar

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terça-feira, 13 de janeiro de 2009

tenho medo de entornar a vida, medo de me entornar com ela e ser então caudal de rio à porta do mar, parado. e é do meu medo que se constrói a tua ausência, não porque a queira, mas porque tenha de a sentir para me aperceber que sem ti o inverno dura 365 dias. gosto do inverno, gosto da geada nos campos a pesar a erva, a baixar o coração até ao rés-do-chão do corpo, gosto dos dias pequenos, da neve sobre a copa dos plátanos, do gelo nos passeios e de ti, ao longe, com o casaco comprido e o cigarro preso entre os dedos. gosto de te ver chegar, fumas a vida e eu com ela, devagar para me saboreares bem, antes de morreres na despedida de dois corpos que nunca se amaram. tenho medo de me esquecer de morrer, de morrer menos, de dar ao corpo a vida que ele não tem e depois, tenho medo de me esquecer de dar corda ao mundo, deixá-lo ser quieto, calado, em cima da cómoda. baixo os olhos, baixo o corpo e a voz com ele, para te dizer: volta. 

por: mar

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segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

e, de todas as vezes em que pereci a vida, caiu-me o coração. é por isso que me é irrelevante o corpo pintado de sangue, deitado no chão. é por isso, porque não me sabe a vida o mundo e os escombros são tão perfeitos como as linhas do teu rosto. fico, com os dentes presos à boca, gengivas doridas, a saliva pendurada no espaço que vai da língua aos lábios. por muito que fales, grites, exclames,proclames, nada será suficiente para um perdão. e, ainda que repares, na brancura da pele e na quebra dos ossos, ainda que, já tarde, me saibas num caixão, não posso querer, sequer, ousar perdoar-te, o não aceno da mão, o virar de costas repentino, para sempre. é, portanto, por isso, que te estranho, por saber-te longe como os cheiros. no beiral desta janela não canta o vento, por muito que atente,não esperas. não há, do outro lado da estrada, nem corpo nem alma, nem rosto coberto, caiado de afecto. por isso choro, como se fosse possível à morta chorar, choro a breve e calma manhã da despedida, com os pardais pousados no ramo despido do velho carvalho, com o céu rasgado em cinza, com a chuva miúda a pernoitar nos teus cabelos, com o frio pousado na pele branca, acabada de morrer. 

por: mar

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domingo, 11 de janeiro de 2009

depois de gastar a mármore na soleira da porta, venho sentar-me no alpendre onde o vento canta, e vejo-te chegar, com a luz do fim de tarde, por detrás das colinas. vens devagar, sobes pela paisagem como o nevoeiro, trazes, no topo das colinas, algum frio, alguma dor madura e depois de dares a volta ao vale inteiro, na copa dos pinheiros mansos e dos tojos, vens aninhar-te nas urtigas, ao lado davelha rede e falas comigo. amei-te muito, tanto, sempre, antónio, amei as mãos velhas e secas como amava os campos cultivados do teu peito, por onde um coração se perdia em terra acabada de lavrar. todos os dias fechava a cerca aos cavalos selvagens que galopavam no teu peito. todos os dias sonhava, dançava, pequena ainda, eu, sempre pequena, que a teu lado era impossível ser-se maior. e agora que apodreceram as frutas do pomar, agora que as silvas murcharam e a geada queimou a horta, tudo é morte. desde a casa onde me adormeceram há muito os ossos, até há velha rede onde me sento agora para te falar.

por: mar

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tenho pensado muito em ti. talvez porque agora já não posso abraçar-te e há lesmas lentas a arrastar, na pele, a saudade. talvez agora a tua lembrança me doa e me morda as extremidades do corpo, é por isso que me sento, atrás do teu sorriso, fico, com o cotovelo encostado à tua ausência, a tecer meia dúzia de carinhos, a aquecer a vida, a estranhar-te a imobilidade. tenho as pontas dos dedos rijas. não sei por que medos me tremem as mãos, de que afectos se pintam as dobras dos dedos, de que rugas se amortecem as quedas de um coração. mas sei que nada vale a minha saudade, nem o hoje que me parece demasiado pragmático, nem o ontem que sei demasiado longínquo, nem o amanhã a que chamo ante-ontem. porque tudo é calmo e vazio ao mesmo tempo... gostava, aliás, gostaria, de te chamar meu amor, de te abrir o coração em ferida e expulsar-lhe toda a tristeza, bater o pé à solidão que teima em coser-me o peito, mas neste momento não posso nem quero, preciso esquecer-te. 

por: mar

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sábado, 10 de janeiro de 2009

fico só mais um pouco, a noite é fria como a estante da tua sala, onde traças mordem recordações e memórias. aninho-me no teu sofá e fico, só mais um pouco, antes que o relógio, já noite alta, me grite um adeus pequeno, desses que se dizem como se fosse até já. hoje é o teu aniversário e não sei o que te escrever.
fico só mais um pouco hoje, quero saber de que são feitos os teus anos, se são calados como os fins, se são tristes como os meios ou se são lentos como os princípios. quero saber de que brevidade ou longevidade se fazem os teus braços, maiores que qualquer distância, enquanto abraçam o meu corpo e me prendem.
a noite é fria e eu estou sozinha, enquanto o teu corpo se passeia de um lado para o outro em risco de adormecer. anda, deita-te no meu colo hoje, quero mostrar-te que o mundo é uma caixa de música escondida entre as rugas das mãos de uma avó feliz.
fico só mais um pouco, sempre.


feliz aniversário pedro.

por: mar

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sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

sexta-feira, é tarde.
ela estava, branca como a neve, cabelos cor de azeitona, mãos de viúva pousadas sobre o parapeito de uma janela fechada, ela estava. o relógio da sala dobrava-se sob o peso das horas, pesadas como as peles das mãos fechadas num murro, as unhas entranhavam-se pele adentro até o sangue coagular ao frio. e ela era uma tarde de sexta-feira, mal assinalada no calendário, a tremer no rosário de uma nossa senhora triste, pintada de novo. ela era avó durante os dias mortos, era mãe às vezes, quando o banheira se enchia de espuma e a àgua dos risos inundava a casa. ela era tudo e estava triste como a tarde.
e sexta-feira é tarde, gritavam-lhe as vozes de dentro das paredes cheias de humidade e a pele tremia-lhe rente ao osso, no frio de algumas, tantas, vontades de ser velha.

por: mar

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eras triste. tinhas as mãos pintadas de calos, desenhadas num traço tão fino que a pele, encurrilhada, se gastava como se gastavam os pés. eras bonita, às vezes quando o sol te entardecia a pele e na estação dos teus olhos parava, à mesma hora, o comboio de sempre. eras tu, na vagarosa quietude da manhã, na lentidão dos passos, às voltas, como uma dança. e era de ti que se faziam os meus dias, estendidos ao sol num calendário de tempo ameno. raramente sorrias, e quando o fazias o teu coração esticava-se até à linha do horizonte, onde logo se dissipava e no azul se esvaía em sangue. agora estás morta. morta com os olhos de vidro encaixados num rosto doente, morta com as mãos de seda em toque estático. e é sem movimento que danças, na minha memória, pés e mãos atados aos meus. boneca.

por: mar

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terça-feira, 6 de janeiro de 2009

eu grito.
mudo, mouco, fico. 
com o coração esmagado entre as mãos, respiro, primeiro devagar e depois depressa, que o tempo contado ao contrário faz mais sentido, e o calendário é de dezembro a janeiro. talvez por me conhecer fujo, torna-se complicado aprender a amar o deserto, ainda por cima quando se tem um bosque no olhar. e tu, que chegaste como quem parte e ficas como quem vai, faz-me um favor: apaga a luz e enrodilha-te nos meus braços.

por: mar

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sábado, 3 de janeiro de 2009

ele sentou-se com o amor apertado contra o peito e perguntou ao mundo de que horas era feito, depois desencaixotou todas as ausências e com o pó do teu esqueleto nas mãos, sacudiu a vida, num sopro, palma fora, até perder o corpo inteiro e a rua lhe adormecer aos pés como um cão vadio. então esperou, com as mãos pálidas recostadas no peito e algumas, parcas, lágrimas sozinhas, a cair em vertigem para dentro da pele. desembainhou as saudades que lhe impediam a fala e com a voz a morrer-lhe na língua, bradou a madrugada como um cântico deserto.  talvez por ser janeiro a rua tinha um final triste e o cão, deitado no pátio, morria ao frio da geada sobre o pêlo e o mundo ainda não sabia de que horas era feito. 

por: mar

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partimos as pegadas como aos vidros, em cacos, dos copos vazios, estatelados contra o chão. partimos pela metade, só os dois, que o mundo já se partiu antes de nós e ficamos, como dois corpos sem tecto, agarrados um ao outro na escada, mãos fixas no corrimão. lá fora há a chuva embriagando os passos de quem se arrasta, fingindo-se viva em corpos com a carne flácida a pender-lhes do esqueleto e ninguém sabe, ninguém nota, a tristeza soturna a invadir a rua, a descer-lhe pelos passeios, a prender-lhe os cabelos cor de viúva, nos ramos das árvores mortas, nuas de estações, onde o inverno não cabe e cai, como vidro em caco no chão.nós...   

por: mar

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