sexta-feira, 30 de maio de 2008

vestido vermelho sangue

querias uma casa à beira mar plantada da cor do papagaio azul que te oferecera quando completaste as tuas vinte primaveras, querias uma casa à beira mar plantada meu amor e eu comprei-te uma casa à beira mar plantada e é da cor do papagaio azul que te ofereci. a única coisa que falta a esta casa para ser perfeita é a tua presença, ainda assim gostaria que soubesses que o mar gosta de a vir beijar de vez enquando, não te apoquentes meu amor no início da Primavera eu pinto-a de novo da cor do papagaio, um azul tão profundo como o dos teus olhos. querias uma casa a beira mar plantada da cor do papagaio azul que te oferecera quando completaste as tuas vinte primaveras e eu comprei-ta com todo o dinheiro que juntei enquanto estive longe. quando parti os dias eram mais pequenos que as noites e as folhas bailavam ao som dos meus passos pequenos mas apressados, quando voltei o dia tinha exactamente o mesmo cumprimento que a noite e as folhas embelezavam os ramos das árvores, a porta de entrada tinha o peso dos dias sobre si, as escadas estavam cobertas de musgo e o portão antes verde estava agora coberto pelo castanho da ferrugem, tirei o chapéu a dois passos deste e deixei que algumas lágrimas sem destino me percorressem o rosto. voltei meu amor, voltei. tu acenavas no átrio, trazias o cabelo aos ombros e o vestido vermelho sangue que usavas à despedida, a tua pele sempre branca como o branco dos abraços que trocavamos nas tardes calmas atrás do celeiro sem os teus pais saberem. estendi a mão, abri o portão e corri escadas a cima, cá dentro bailava a vontade incansável de te ter nos braços, o coração parou, não conseguia respirar. amor, amor, cheguei. alcancei a porta que se dobrava sobre si prestes a cair, a casa tosca de tantos e tantos dias que poderiam ter sido. onde estás? entrei a medo pelo corredor onde as recordações ocupavam as paredes e o chão, parei por momentos os olhos no teu rosto e a minha lembrança levou-me, voei até ao tempo em que, ao momento em que, meu amor...
tu sorrias e eu sorria e o mundo era nosso como nunca havia sido de mais ninguém, tu cobrias o meu corpo com o teu e de repente saltaste para as minhas costas, o parque estava deserto, demasiado deserto para o primeiro dia de Primavera, lembro-me de comentares que ainda estava frio e eu ofereci-te o meu casaco que vestiste com prontidão. parei junto ao lago, desceste e ficaste a brincar com a água enquanto eu me afastei para cortar algumas flores do canteiro, quando me voltei já dois homens te seguravam, as flores cairam sobre terra e murcharam logo ali, tirei a carteira do bolso, atirei-lhes o relógio também, os sapatos, os punhos de prata da camisa, o fio de ouro, tudo o que tinha de valor mas não quiseram nada, com a arma apontada à tua cabeça nada do que diziam fazia sentido dentro de mim, só tu meu amor, só tu a tremer com o pulso torcido atrás das tuas costas, o teu pulso delicado torcido atrás das tuas costas, eu petrificado olhava-te os cabelos presos entre as tuas costas e o tronco de um deles. a música era triste, todos os momentos tristes merecem músicas tristes meu amor, tu choravas e o baton vermelho manchou-te a face meu amor, eu chorei e todo o parque chorou comigo. eles afastaram-se e eu ajoelhei-me enquanto um deles te arrastava para perto das águas, cada vez mais perto, corri para te alcançar e o outro disparou sobre o meu braço direito, deitado no chão agarrei-me às ervas e olhei-te, vi-o enterrar a tua cabeça nas águas do lago, vi-te esbracejar em vão, vi-o afastar-se e o teu corpo a boiar morto e eu no chão a desejar morrer também.
querias uma casa à beira mar plantada da cor do papagaio azul que te oferecera quando completaste as tuas vinte primaveras, querias uma casa à beira mar plantada meu amor e eu comprei-te uma casa à beira mar plantada e é da cor das lágrimas que hoje me caem pelo rosto enquanto me abraço à tua fotografia.

por: mar


8 comentários:

Anonymous Anónimo escreveu...

a tua prosa começa aqui.

30 de maio de 2008 às 23:45 
Anonymous Anónimo escreveu...

tocou-me.

31 de maio de 2008 às 01:01 
Blogger Jorge Vieira Cardoso escreveu...

e as palabras obtem uma imagem em tela pintada numa singularidade que nos aproxima daquilo que os nossos olhos querem ver...

excelente!
bjs...

31 de maio de 2008 às 10:28 
Blogger Jorge Vieira Cardoso escreveu...

agora desconto o erro palavras e não palabras.
é a pressa..."risos"

31 de maio de 2008 às 10:32 
Anonymous Anónimo escreveu...

gostei bastante margarete.
tás em alta na tua inspiração.
vá continua, continua a moer essa dor que te move paara a frente.
gosto de ti e da tua escrita.
amo-vos com todo o respeito.

31 de maio de 2008 às 19:18 
Blogger Pink Angel escreveu...

Bem deixst m sem palavras...
Está perfeito...
Adoro a tua escrita...

Beijinhos

31 de maio de 2008 às 22:47 
Anonymous Anónimo escreveu...

A tua escrita de tão pessoal, torna-se singular, o que é obvio.
Se gostei? Claro que sim!

1 de junho de 2008 às 21:57 
Blogger Amor amor escreveu...

Margarete, o bom escritor descreve até a morte de um jeito muito belo. Muito sentido esse texto, parabéns pela sua sensibilidade!

Beijinhos doces cristalizados, e uma ótima semana!

P.S. Depois passe lá no meu Quarto dos sonhos, meu segundo blog, e veja o que deixei pra vc!

2 de junho de 2008 às 06:36 

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