segunda-feira, 2 de junho de 2008

sexto andar

adormeceu a cidade no beiral da minha janela, cansada adormeceu agarrada ao vidro mendigando a minha presença. nós pausamos os segredos num sol sustenido no encanto contraído de gestos que há muito se esperavam e abençoamos os corpos que quietos e leves voam para além do provável. a cidade adormeceu e não testemunhou o teu regresso meu amor, quis acordá-la mas as minhas palavras faziam ricochete no vidro, caíam-me no chão do quarto como mortas e eu chorava agarrada à mudez da minha boca. dás-me a mão e ajudas-me a erguer, quando tombam as palavras tomba-se-me o corpo também. pronunciamos meia dúzia de vocábulos ressuscitados, há silêncios contraídos dentro do teu corpo, arrepias-me a pele com o toque pausado de um beijo, de outro beijo, de tantos beijos que nunca trocáramos. calo-me o vazio que há muito me preenchia de ruídos insuportáveis, calo-me tudo e rio porque nunca tinha aprendido a calar fosse o que fosse e hoje calo-me toda, só as minhas mãos gritam o meu desejo por todo o teu corpo. não vacilas. não te distancias e fazes da tua presença uma morada certa. branca, calva e clara cidade adormecida que perde o mais puro e genuíno sentimento que alguma vez vira.
batem à porta e caio do sexto andar, corpo balançado num vento de lembranças que regressam, choro baixinho para não acordar a cidade. encosto a face no tapete e espreito pela frincha da porta, vejo-te os sapatos, os típicos sapatos pretos e sei-te. ainda fico a coxear o sentimento que te tinha com medo de o ver cumprimentar-me, abro e calo-me quando os teu corpo envolve o meu no abraço, no costumeiro abraço mais interior que exterior. caio do sexto andar. tu entras e reconheces a casa como se ainda fosse tua, encostaste às minhas fotografias que se esticam pelo corredor, recortei-te de todas elas. sentaste-te no sofá da sala com a descontração do costume, pedes-me que me sente ao teu lado como se o sofá fosse teu e fosse eu a intrusa. incomodo-me. passo os olhos pelo teu casaco em jeito de reconhecimento e desaperto os atacadores de ressentimentos que calçava, olho-te a boca e cheiro-te o beijo que antes fora meu. tu apressadamente envolves o teu olhar com a minha boca e trocámos um beijo invisível. sem pronunciar uma única palavra transpiramos sentimento ressuscitado, alcanças-me e como sempre acabamos por nos amar como se nunca tivessemos deixado de o fazer. mas nunca deixamos de o fazer meu amor e caio do sexto andar.

por: mar


4 comentários:

Blogger Jorge Vieira Cardoso escreveu...

entre o ser e o acontecer de permeio vem as frases que em chamamento de queda do sexto andar, aniquilam a lembrança em chama ardente de um amor acontecido ou por acontecer...

no fascinio das sílabas reflecte o desejo da não cruzada em que os sentidos despertam e morrem na imensidão do epitáfio...

nesse fascínio estamos coscientes, ou não?!

bjs...

2 de junho de 2008 às 08:53 
Blogger Irene Ermida escreveu...

o espaço público da cidade em contraste com o espaço privado de uma intimidade eivada de sentimentos e de emoções contraditórias...
«uma queda do sexto andar» que vale a pena ler!

3 de junho de 2008 às 15:20 
Blogger Carlos escreveu...

...deixa a cidade adormecida, não a acordes...
o desejo , oh, o desejo....em acordes , eventualmente desafinados,mas ái , estão....
aconteceu , irá acontecer? que o desejo seja o mote ,para quê a «queda»...

Uma «miscelânea» num quadro multicolor...


kiss

3 de junho de 2008 às 23:17 
Anonymous Anónimo escreveu...

boa, kâ cena pá. afinal a C*ti* Mar(...)é bem real. olha este texto da assim um felling marado como se de uma moca se tratass

cump, desc us meus err´s

cump, o moço do autocarr "A caminho de Vizeu"

kiss-kiss

8 de junho de 2008 às 08:00 

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