quarta-feira, 11 de junho de 2008

volta-me.

o chão da sala acumula o pó de tantos dias sem ti do meu lado, gasto a sola dos sapatos às voltas na varanda onde a noite se encosta para descansar, a sua velhice agarrada à minha. quando voltas? sento-me na rede onde tantas vezes inventamos formas de nos acarinhar e deixo que a madrugada me devolva sorrisos no teu rosto. deixo-me ficar até a manhã me fazer cócegas nos pés, acordo ainda sem perceber se é sonho ou realidade, levanto-me e ajudo a bengala a indicar-me o caminho até à sala. sento-me e espero que a criada me sirva o pequeno-almoço. de novo o teu cheiro com o pão quente da manhã, de novo o teu sabor a café na minha boca. roubo um pouco do meu coração aos pássaros que chilreiam lá fora. espero que a criada sacuda as migalhas e enquanto me acomodo junto à janela os pássaros aniquilam os restos do que em mim foras, ou és...

o meu amor tinha as mãos caiadas de sóis difíceis de caçar, presos entre os dedos das mãos estavam os tantos carinhos que delicadamente sucumbiam à vontade de se entregarem. rasgava com os dentes as frases mal escritas das tantas cartas que lhe entregavam a meu mando. os cabelos eram cinza de uma fogueira que ainda não se apagara. os pés conheciam apenas um caminho, o meu. a sua casa era nos meus olhos e a sua morada nos meus lábios e nunca houve ninguém que lhe conhecesse outro sorriso que não o meu.
o meu amor era um simples desapertar de botões.

a noite rasga-me o vento por entre os cabelos já gastos pela sombra de muitos dias sem o sol das tuas mãos. o dia entre as rugas da minha pele mal a manhã se principia em cantos e sinos que batem a rebate. esqueço-me da tua falta só quando te leio em cartas de mofo prestes a apodrecer, só quando te vejo em fotografias de chuva, pintadas de lágrimas. esqueço-me da tua morte e escrevo-te a carta de todos os dias, todos os dias pinto a tua face em tons de esperança com a pena de já não te ter perto apertada entre os dedos da minha mão direita, todos os dias aceno a tua chegada na varanda onde tantas vezes sofri a tua partida. encosto-me à rede e espero que o suor de Junho me afogue.

por: mar


2 comentários:

Blogger Carlos escreveu...

é difícil a partida , a espera e a saudade...
ficamos com os momentos lindos e doces de um passado seja ele recente ou não... e olhar no infinito e ter uma imagem clara e suave ....

ler-te é «reviver»....

kisss

11 de junho de 2008 às 11:58 
Blogger Street Fighting Man escreveu...

vem-me á cabeça um 'e dizes que essa canção já não passa na rádio, mas que vive secretamente dentro de ti.'
:) muito boa. a viuvez latente. gosto de como exploras o tema. gosto do peso triste que dás às palavras que ali têm de estar a caiar de noir todo o cenário.

keep the good work***

14 de junho de 2008 às 14:10 

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