domingo, 13 de julho de 2008

quando a gente se pinta só.

ele fecha a porta de casa e encosta a cabeça ao vidro, olha na rua quieta um pedaço da sua vida de sempre e fica à espera que a porta se abra de novo para lhe mostrar o que poderia ter sido se mantivesse a porta aberta. gosta pouco de gente, habituado a acordar sozinho numa cama enorme, comer sozinho numa mesa enorme, viver sozinho numa casa enorme, nunca foi dado a conversas longas em sítios comuns nem tão pouco a convivências e diálogos que demorassem mais que o bom dia matinal.
senta-se no sofá com o gato entre as pernas e, sem ligar a televisão, adivinha-lhe os programas que irá ver nas próximas cinco horas até a barriga começar a dar horas. levanta-se, a noite bate no vidro da sala mas a luz do candeeiro não a deixa entrar, arrasta o corpo até à cozinha e prepara umas sandes, come e volta para o lugar de sempre. o sofá tem dois meses mas já se lhe nota um buraco perfeito com a forma do seu rabo gordo, morada dos tantos doces que engole todos os dias. acaba de comer e atira o tabuleiro ao chão, os olhos pesam-lhe um pouco, ainda assim prende-os ao tecto, fiel companheiro de todas as horas. o tédio de se saber vivo dá-lhe pontapés no estômago cheio. pouco a pouco os olhos fecham-se-lhe e o mundo transforma-se num sofá, o sofá onde ele se senta para ser feliz com um telecomando do tamanho de um prédio de vinte andares enfiado entre as mãos, a televisão não cabe numa cidade e no pacote de gomas que tem a seu lado repousam 25 gomas do mesmo tamanho que ele.

por: mar


5 comentários:

Blogger segredo escreveu...

Isto não será viver será sobreviver,deixar a vida passar ao lado...infelizmente quantas pessoas apenas sobrevivem em vez de viver!?
Lindo como sempre
Beijinho

14 de julho de 2008 às 10:13 
Blogger Cristina Paulo escreveu...

Quantos e quantos não há assim? É triste...mas a inércia é também condição procurada e estimada de muitos...enfim...
Beijos meus

14 de julho de 2008 às 17:29 
Blogger Sonita escreveu...

é uma realidade triste... muitos são os que passam a vida encerrados numa casa, numa caixa de imagens e a comer até estoirar ...
e a Vida? quando vivem ?
um beijinho doce Margarete. como sempre, os teus textos são encantadores..

14 de julho de 2008 às 17:40 
Anonymous Anónimo escreveu...

Venho sempre que o meu tempo o permite e, fico com pena que o tempo não seja meu amigo, porque ler-te é realmente viciante, sendo que este, contráriamente aos outros, é um vicio muito bom e sem efeitos colaterais.

Há efectivamente corpos, sofás, gomas, televisões e vidas assim. Há também uma coisa que se chama livre arbitrio.

Uma vez mais, adorei.
Beijinho.

15 de julho de 2008 às 00:09 
Anonymous Anónimo escreveu...

vejo que és apreciadora da escrita, e da poesia e ainda te aventuras por ela, tal como eu...
beijinho
da uma olhadela, diz me o que achas..

http://jdlibertino.blogspot.com/search/label/Poesia

15 de julho de 2008 às 12:29 

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