terça-feira, 29 de julho de 2008

valentina

valentina de carvalho contava os dias com as contas do rosário que ao fundo da cama adormecia no pescoço de nossa senhora. quando tinha 20 anos morreu-lhe a mãe num dia em as mimosas floriam, nunca soube quem era o seu pai e isso pouca diferença lhe fazia, crescera monte e morria floresta. hoje senta-se só. a soleira da porta parece-lhe pequena para tantas lágrimas, à sua frente uma bacia para onde cega couves e dores.
valentina de carvalho tem um nó no peito, no lugar do coração uma porta à muito fechada, ao longe ainda canta canções de tempos que já não lhe pertencem, nos pés descalços pedaços de uma idade que lhe chega em abril. sabe de cor provérbios que anunciam tempestades, luas e dias de calor mas nunca soube de cor a sua vida, as avalanches, o frio que dança nas suas rugas como um peixe atordoado sem conseguir respirar. quando o marido lhe foi o inverno não tardou a chegar com a neve a assobiar notas de funeral e a geada trouxe-lhe vestidos de viuvez. e desde então ela não sabe respirar, morreu. morreu.
valentina de carvalho morreu no dia 15 de Dezembro de 1984 quando o corpo de Joaquim caiu morto no quintal, atrás da casa de onde ela nunca saiu.

por: mar


3 comentários:

Blogger segredo escreveu...

Margarete os teus textos são tão lindos e tão profundos... consegues retratar a infeliz realidade de uma sociedade que por vezes é esquecida talvez porque o convem esquecer.
Beijinho*

30 de julho de 2008 às 08:35 
Blogger Borboleta escreveu...

Você brinca com a pena de maneira fantástica.
Beijos, beijos

1 de agosto de 2008 às 16:17 
Anonymous Anónimo escreveu...

Olá Margarete;
Já tinha dito e repito, não consigo encontrar palavras para expressar o que sinto ao ler o que escreves, como o fazes e a forma como me consegues transportar para dentro do teu texto e das personagens que eles descrevem.
Os ultimos textos relatam pessoas e situações, regra geral "preto no branco", mas não deixam de ser coloridos e fabulosos, sim são-o, e muito.
Adorei ler-te.
O meu tempo tem sido limitado, vou tentar arranjar mais para escrever,todavia, sem os teus comentários, o meus textos não são os mesmos, por isso, o meu "cantinho" é também teu.
um*

2 de agosto de 2008 às 13:14 

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