sábado, 27 de setembro de 2008

a fome dos bichos

e ao chegar o rosto comeu-me a casa que trazia entre os dentes, amordaçada. comeu-me a palha nos cabelos feitos de um apanhado tosco atrás, comeu-me os olhos quietos escondidos por uma pele fina, fechados como duas ostras, o rosto comeu-me a esperança, ainda que diminuta. e ao chegar perdi os pés no hall e as pernas caíram logo ali, o abandono foi lançado contra os meus braços onde a falta já há muito que se alojara e tudo foi, ainda é, de tão pequeno grande como os dias, como as horas no despertador, como o corpo deitado no meu colo. o corpo é grande como um sentimento, preso, atado às costas das mãos na chama que nos arde dentro, o lume de um cinzeiro apagado onde o cigarro vive os seus últimos dias, é tarde na mesa junto à janela, onde os teus pés reclamam os longos caminhos, é tarde no pó da fruteira em cima da mesa, onde frutos se decompõem entre formigas, é tarde no rosto que me come de tão comido, comido por pardais, por ratos, por baratas tontas a dançar na humidade das paredes. este é o quadro perfeito para uma canção de amor e morte, cantada no amanhecer de todas as vidas, silenciada na noite de um adeus último.

por: mar


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