terça-feira, 23 de setembro de 2008

lisboa

lisboa é capital de um país em vias de extinção, país de descobridores e descobridos, de sal em lágrimas que dão à costa com o mar onde as caravelas d’el rei já se afundaram em conquistas que envelhecem nos livros de história. 1755 é terra ao avesso, um estremecer que espreme o centro do fado, Lisboa cai e esmaga-me o coração que já era abrigo de milhares de pessoas, o mar come a “ocidental praia lusitana” aos poucos, há explosões por todo o corpo e sentimentos que morrem à flor da pele, a pele que é cinza a habitar os ossos de um corpo largado ao abandono. Lisboa chora em ruínas nos olhos dos que sobraram, olhos negros como azeitonas a secar numa tigela de barro, chora Lisboa, chora menina e moça que o choro não há-de ressuscitar as vítimas dos teus feitos gloriosos. e no interior de Portugal, pela tardinha do dia seguinte, um homem de barbas sujas e pele amarrotada conta uma história de amor, um coração a abrir-se como a terra, ao meio, memórias que lhe morrem afogadas pelo sal de lágrimas, um mar que lhe come a pele do corpo aprisionado num calabouço de um castelo em ruínas, uma Lisboa desabitada, caída como um anjo que Deus abandonou, o homem chora perante uma plateia de olhares em água, como se a história lhe pertencesse. 220 anos mais tarde dão à costa sentimentos amordaçados num peito rijo, prestes a morrer. uma mulher desembarca no cais de sodré, a roupa encardida pelo tempo, a embarcação é uma jangada feita de esqueletos e Lisboa é revisitada por uma comandita de memórias, encapuzadas, o eterno retorno. nas ruas há foices nas mãos da PIDE e um Salazar a habitar no peito do povo que é lavrado, há gado a morrer à fome, gado que é povo que vive em pocilgas e cortes, pequenos reis largados ao abandono. Lisboa chora com tropas em marcha, chora Lisboa, chora menina e moça que o choro não há-de ressuscitar as vítimas dos teus feitos gloriosos. e no interior de Portugal, pela manhã do dia seguinte, um menino brinca descalço num campo de concentração, uma mina explode e os restos do menino contam uma história de amor, um amor antigo, de um coração a explodir dentro do corpo aprisionado num calabouço de um castelo em ruínas, uma Lisboa de luto vestida. 253 anos mais tarde desenterram-se sentimentos de um corpo que é terra cavada, num campo do interior de Portugal. uma mulher, menina e moça, violada, deixada ao abandono num beco qualquer ali para os lados da Buraca, onde os assaltantes se misturam em gangs e ciganos vendem armas à luz do dia, onde os traficantes alojam as putas que vêm dos países de leste e tiram a vez às do Brasil, que há muito fugiram para o norte. o país chora uma Lisboa largada ao abandono. chora Portugal, chora país dos descobrimentos, que o choro não há-de ressuscitar a vítima dos teus feitos gloriosos.

por: mar


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