sábado, 18 de outubro de 2008
adeus amélia.
amélia cambaleava daqui para ali por entre o rosto branco das casas. desceu a rua, fechou-se em casa com o coração a bater-lhe nas mãos trémulas. o que tens amélia, que te fizeram? amélia chorava, amélia sorria e sem saber qual das duas emoções preferia, alternava o seu estado de ser entre alegria e tristeza. amélia tinha o alentejo preso nas pontas dos dedos, feridas que não cicatrizam, sangram. provavelmente ela nunca soube que o alentejo é uma doença terminal, a beleza do fim a esticar-se pelo corpo. ele sentou-se com ela já à tardinha, o sobreiro como companhia, falou-lhe do amor que não lhe tinha e a noite caiu-lhe à cabeça. acostumada a sofrer nada disse. ele falava-lhe com a voz desenfreada, às vezes engolia algumas palavras mas ela soube-lhe, desde o começo, todas as palavras no olhar. ele comia silêncios, faziam-lhe mal ao estômago. amélia saiu dali com as mãos enterradas no peito, no lugar do coração uma flor morta a crescer-lhe pelo corpo todo. ele ainda correu atrás dela alguns metros, depois deixou-se ficar para traz propositadamente, não queria voltar a dizer-lhe todas aquelas coisas, aquilo mordia-lhe o peito, sangrava-lhe no coração. ele morreu ali, aprendeu a morrer na companhia de um sobreiro. o que tens amélia, que te fizeram? ela não falava e a dor consumia-lhe todas as meias palavras presas na boca. ela não sorria, ela não chorava. amélia ficava, só, ficava.
1 comentários:
Excelente narrativa, bela e envolvente.
Gostei muito...
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