segunda-feira, 13 de outubro de 2008

das tréguas ao anoitecer.

sento-me. o sol de outubro entra-me pela casa e agoniza o sofá, estico-me aos seus pés e ouço-lhe as cores estáticas contra o veludo. é tarde fora da porta e algumas velhas passeiam a sua melancolia, a rotineira tristeza dos reformados servida num banquete com cheiros de solidão, essa solidão brejeira que cuidadosamente pinta no rosto uma certa inquietude. os cães parados no passeio erguem as patas sobre a coleira, a coleira é de seda e combina com as meias das senhoras velhas que agora param a caminhada para perguntarem as horas uma à outra, como se ambas não soubessem do fim de tarde nos sons dos pneus sobre os asfalto, e o 27 pára para as ver subir, delicado o modo de erguer o pé e pedir licença a uma perna para mover a outra, a velhice caduca qualquer bilhete de identidade. sentam-se ao fundo com a mão a segurar o stop no poste, falam da falta de movimento, da ausência de passos pela casa e da soturna quietude a morder a cauda dos ossos, aqueles que dentro da pele jogam à sueca a cada mudança de tempo. o tempo serve-se frio nas permanentes do cabelo, branco como a cal dos dias, a cair sobre os bancos do autocarro onde se aninha uma quota parte da decadência da vida. e o mesmo tempo rouba-me os minutos ao relógio que se estica pela casa. agora levanto-me para ver passar uma ninhada de pequenos homens de mochila às costas, em fila indiana, a segurem as mãos das suas progenitoras enquanto o semáforo rouba o vermelho. a vida roça-me as mãos caladas, paradas sobre o parapeito da janela enquanto o futuro se ajeita nas mãos pequenas que me acenam ao longe. alguma noite rouba os tons à tarde que já vai alta e nos barulhos surdos da cidade ainda sigo os passos do peregrino, ergue-se do canto da rua fria onde adormecera minutos antes das senhoras velhas entrarem no autocarro, acomoda agora o peito junto da fonte, o chafariz velho onde os pombos vêm beber, aninha-se ali com a noite a sugar-lhe as águas do peito, fica o sal a pesar-lhe nas costas corcundas e o vazio a ocupar-lhe os buracos negros dos olhos. algures alguém morre e os sinos batem a rebate na sé. 

por: mar


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