sábado, 18 de outubro de 2008
descansa em paz júlia.
a tarde desce-te pelos cabelos e aninha-se-te ao colo. deita-se no meio dos passos que nunca soubeste dar, de encontro a alguma coisa, de encontro à vida talvez. para mim nunca foi fácil esquecer-te. trazias o inverno aos ombros e o outono vestia-te as mãos cobertas de folhas, semi-nuas, miúdas como a chuva. gritavas uma qualquer tristeza, desconhecida, frenética mas muda, gritavas uma vida a afogar-se nas lágrimas, mas ninguém sabia, ninguém sabia e todos te julgavam sã. a tristeza é uma doença que interrompe o que somos. às vezes espreito as tuas cartas e morro, também eu morro de tristeza. depois de partires aprendi a morrer e a morte é-me mais fácil que a vida. naquela tarde o corpo pesou-te mais e algumas lágrimas empurraram-no para a frente, o corpo caiu, no chão, caiu, sozinho. abandonou a casa. o teu corpo era delgado e os teus ossos morriam à flor da pele, a quebra dos movimentos comprometeu-te os gestos e já nem o adeus conseguia ser inteiro. os gestos morreram-te antes do corpo, creio. estou ferido, doente, choro. se houvesse algum modo de trazer-te de volta, qualquer coisa simples que me permitisse chorar um pouco abraçado a ti, despedir-me. nunca haverá despedida mais difícil do que aquela que fica por dar. já não quero pensar a tua morte, afogueia na minha.
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