quinta-feira, 16 de outubro de 2008

ela.

a casa não dá para lugar nenhum, presa ao fundo de mim deixa cair algumas paredes, pedaços de betão armado sobre o soalho e os pés, dela, descalços a aparecer ao fundo corredor, posso vê-los pela frincha da porta. alguém dá um grito e morre uma voz. a voz dela, talvez, a minha, não sei. morreu. eu abro a porta e sei-lhe os olhos brancos de cegueira, pousados no branco das paredes, branco sujo a apodrecer na humidade que lhe vem do telhado, o telhado a ruir numa casa em apuros. o vestido azul, pequeno, a arrastar alguns pedaços de betão consigo, pelo chão, ao lado, o urso seguro pela mão esquerda, o urso de pelúcia, de olhos arregalados, o urso tem um braço cortado mas não há sangue pela casa. ela olha, assusta-se, foge, corre como quem anda para trás e eu não consigo deixar de sorrir um pouco. aperto o casaco, as mangas são me curtas e a noite cai-me aos ombros. rasgo as cartas, as tuas, pequenos recados mandados por correio, rasgo, devagar para ter prazer no que faço. não preciso de ti, não preciso de ninguém, nem do urso, nem do vestido azul, nem da madeira do teu caixão, nem do teu corpo que é cinza no jarro à porta de casa. não choro. a porta bate e a casa cai atrás de mim, suja-me o terno. esqueço. a casa abandonada ao fundo de mim, escombros, restos. fujo. abrigo-me do que sou. 

nunca se sabe.

por: mar


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