sábado, 18 de outubro de 2008

eles mentem.

a chuva comeu-te os movimentos de menino sem dono, esperaste trinta e três anos até conseguires andar e agora, que finalmente largaste a cadeira de rodas, a chuva come-te os movimentos e a areia enrola-se-te aos pés. os teus passos são pequenos, estás a aprender andar e o teu corpo é um anúncio da noite. desces a praia com os braços no ar, alegrado por uma esperança que te desconhecia, às vezes faz sentido desconhecermos o que em nós existe, boa forma de nos surpreendermos. creio que foi o sorriso que te arrastou mar adentro, sorriso rasgado num rosto calejado de lágrimas e o mar aos pés a erguer-se corpo acima, até te levar, te erguer sobre as ondas, te pintar de sal e embarrar-te contra o cais, à tona da água, contra o convéns de um navio. o corpo não se magoou, morreu feliz. não te descobriram tristeza crónica na autópsia mas todos sabiam que sofrias dessa doença. às vezes ainda te velam o corpo às portas da campa, levam-te flores, as mulheres dos marinheiros que a tua nunca a tiveste. outras vezes mentem a tua história às portas da boca, dizem que te lançaste ao mar alto, que te mataste, eles dizem que te mataste afonso. 

por: mar


0 comentários:

Enviar um comentário

< home










mar


sobre este mar:

estrelas do mar
maré cheia
um mar de fotos
lugares do mar


arquivo:

março 2008
abril 2008
maio 2008
junho 2008
julho 2008
agosto 2008
setembro 2008
outubro 2008
novembro 2008
dezembro 2008
janeiro 2009
fevereiro 2009
março 2009
abril 2009
maio 2009
junho 2009
julho 2009
agosto 2009
setembro 2009
novembro 2009
dezembro 2009
janeiro 2010
fevereiro 2010
março 2010
junho 2010