quarta-feira, 29 de outubro de 2008
esticas os músculos das pernas por debaixo da mesa que empurra a parede para dentro da rua, ela tem um nome mas ninguém sabe dele ou então é dos vizinhos que se faz a imagem do que se recorda, fina como a pele dos dedos que ligam a mão a um corpo morto, de distâncias feito. talvez seja tarde para aprender a ler ou a escrever o que nunca se viveu. fecha-se na gaveta com uma inquietude qualquer que lhe pertence e dobra-lhe as pernas no joelhos quietos debaixo da mesa, a mesa onde um dia se sentou pela última vez, antes de dizer adeus ao que fora para perder-se no que deveria ter sido. às vezes dá por si sozinha, mais sozinha que só embora as gavetas de uma mesma cómoda possam esconder uma vida inteira a fugir por entre os dentres, podres como a pele dos lábios que nunca conheceram o sabor de nenhuma palavra. está despida, só, debaixo da noite e é dos traços negros da delicada simbiose crespuscular da lua que se lhe vêem memórias da pele, branca, pálida talvez, debaixo dos olhos posta em sossego, ela chora. não lhe dói a caneta entre os dedos das mãos, dói-lhe a vida que nunca soube viver e desapareceu numa escrita à pressa em sangue sobre o testamento. hoje vai morrer.
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