terça-feira, 14 de outubro de 2008

grito: ensina-me a morrer

é de longe que me chega o riso, o último riso das moscas sobre a toalha estendida no parque, debaixo do carvalho, à sombra de um verão a cair. é de longe que te vejo a passear alguns sonhos como crianças a bailar com as folhas, as muitas que já se desprendem das árvores e é de longe que me começam a cair os cabelos à noite sobre o travesseiro e a dentadura repousa no copo de água em cima da mesinha de cabeceira, só não vejo de longe a figura distorcida no espelho, eu. é triste envelhecer. repouso os meus gestos no balcão da cozinha enquanto me chegam memórias de longe, arrastadas com o cheiro da fruta no triturador. a tua voz a fazer companhia aos pombos que sentados no fio de electricidade te escutam as histórias de amor, a tua sombra sobre o pátio a carregar um comboio de brincar, tu a brincares com a vida e ela a gostar.choro um pouco, ao fim ao cabo também sei chorar, aprendi contigo naquela noite, quando adormecemos no porão do barco e substituimos muitas palavras por silêncios até o beijo chegar, impune como o primeiro, o repetido até adormecermos com os corpos enroscados na brisa oceânica.a distância é uma árvore despida. deixo que os meus olhos fecundem algumas lágrimas, nascidas de coisas com pouco interesse, a idade apura os sentidos e transforma a tristeza em nostalgia, soma-lhe aquela saudade de sempre e prepara bem o corpo para os dias que se seguem, dias antes da morte, morte antes e após os dias. tu ainda acreditavas que o tempo corria a nosso favor e gritavas as horas sem medo, compravas as velas para o teu aniversário, sempre uma vela por ano, até às noventa e quatro que morreram em cera desfeita sobre a tua campa. às vezes gostava de voltar atrás e retirar muito do que te disse, de tudo o que vivemos o que melhor guardo é o teu silêncio, a tua voz fechada, o cerco que fazias às palavras e os teus poemas, lidos ao meu ouvido no entardecer de tantos dias. o sabor dos dias felizes inrrompe-me nas narinas e tu voltas. voltas com as pintura do dali e as musicas de chopin, com o JN adormecido no chão da sala, com as botas a tricotar esperas à porta de casa. o teu regresso não sacode as estrelas da minha noite. ensina-me a morrer francisco. aprendi muito contigo, desde o calor de um abraço a como fazer torradas sem as deixar tostar, mas nunca me ensinaste a viver sem ti.

por: mar


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