terça-feira, 7 de outubro de 2008

à imagem de nossa senhora

um dia hei-de matar-me, atirar o meu corpo às feras e vê-lo morrer comido por elas ou ateado em fogo no meio da praça, em frente a tua casa que eu quero que assistas de perto à minha desgraça. há-de ser falada a minha morte como é falada a minha vida, triste, esta que me reservou o tempo que passa, tão quieto que ninguém dá conta dele nem o vê passar. os anos contam-se pequenos, em dias de calendário, meses à solta nas folhas coladas por debaixo da imagem de nossa senhora, essa catraia que não dá de comer aos pombos e que manda os velhos do restelo, que podiam estar a jogar à sueca, fazer o trabalho por ela. e é esta a vida que nos resta, pedaços de trigo arremessados aos pombos na praça em frente a tua casa, essa mão gasta e suja, preenchida de rugas, mão a pertencer a um braço reformado onde o trabalho já não chega, braço a representar o movimento do corpo todo dorido, dorido de não fazer nada ou de fazer tudo, depois da velhice o que nos compete é a derrota, o cárcere de nos ver vencidos. um dia hei-de matar-me e fazer jus a estas palavras, hás-de ver o meu corpo cair morto no chão da praça em frente a tua casa, assustar de tal ponto os pombos que eles fugirão para parte incerta e será então dado um fim justo aos velhos do restelo. 

por: mar


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