segunda-feira, 25 de maio de 2009

vinte e cinco de maio de dois mil e nove. uma data escrita por extenso acarreta dias maiores do que anos. estou sentada à porta de um qualquer prédio, numa rua paralela à minha, mais calma. escrevo, entre os dedos a caneta treme, de frio ou de amor, talvez, ou de outra coisa que não seja nada disso e possa ser, momentaneamente, sinónimo de medo, ou de outras coisas tais. entre as palavras amordaço uma saudade, coisas de quem sente demais, de quem vive pouco, de quem espera que alguma coisa a alcance. subitamente mergulho em memórias de tempos que não tive, espaços onde não estive, afectos que não dei. talvez agora seja o momento de chorar um pouco, verter algumas lágrimas em tom de nostalgia. não me apetece. fecho o caderno e volto-me, vou rua acima até aos semáforos, viro à direita e espero junto à porta do quatrocentos e seis, os números ditos por extenso fazem o corpo sentir-se pequeno.

por: mar

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domingo, 24 de maio de 2009

são duas da manhã, talvez se perca alguma coisa na minha escrita, hoje é domingo. está frio deste lado do pano, o mundo, que lá fora me acena quase inteiro, não sabe da decomposição dos meus movimentos, que devagar se encolhem ao fundo do corpo, mortos de cansaço, ou de amor. queria ouvir-te dizer coisas bonitas, dizeres: bom dia, fugires depois como sempre, para uma parte incerta da vida, onde tábuas de caixão ladeiam canteiros de flores. somos meridianos. somos amantes de perfil envelhecido e cariz bizarro, fomos feitos um para o outro. se eu fumasse era agora que acendia um cigarro e começava a filosofar sobre o quanto me fazem falta os teus sorrisos.

por: mar

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quarta-feira, 20 de maio de 2009

subitamente morrer a rua dentro dos olhos, esquecer que somos sementes sem terra, chão sem espaço, acreditar que fora de nós algo nos pertence e, ainda assim, estar certos que nada nos é de fora para dentro, que é de dentro para fora que começa e acaba a existência. então deixar que se apaguem as lágrimas com as memórias, uma por uma, até nos restar um cérebro branco, vazio como a rua que nos morre na íris. subitamente morrer, com a rua, com a fachada dos prédios antigos, com um pedaço de tapete de arraiolos apoiado à sola dos pés, ou dos sapatos. somos previsíveis como finais de filmes melodramáticos, esboços de pinturas pré-mortas. somos ondas, ficamos e vamos sem embaraços. somos de nós e ainda assim não nos pertencemos.

por: mar

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segunda-feira, 4 de maio de 2009

um destes dias saio de mim, não porque queira, mas porque não existe melhor visão do mundo, senão aquela que temos de fora de nós. estanco-me a vista a sonhos tidos, em épocas onde ainda era possível sonhar. porque eu ainda sou do tempo em que dois pares de braços eram um abraço, em que um abraço era um sentimento e um sentimento era suficiente para colorir a rua. hoje é tudo tão escuro, tão morto, que julgo não me ser possível viver de fora para dentro e deambulo, como se toda esta inquietação fosse apenas minha. 

por: mar

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às vezes comove-me o pragmatismo desnecessário, comovem-me as palavras ditas por quem se julga técnico do universo. se o universo se erguesse subitamente, se se comovesse, como eu, com estas engenhocas que engonham as formas de agir, talvez então decidisse ser para sempre inanimado. não digo mentiras, como apenas alguns afectos, mastigo os gestos e a relutante falta deles. porque às vezes me comovem os passos, dados ao avesso de qualquer alma, ainda que pequena, ainda que do tamanho do universo ou da mente dos que julgam ter técnica suficiente para o entender. 

por: mar

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domingo, 3 de maio de 2009

vou falar-te do processo cognitivo, da falta de lucidez quando te vejo e depois, talvez, desta janela onde me sento, que traz consigo ruas a cair de velhas e telhados gastos, de casas paralelas a esta onde te habitas. vou tecer-te a imagem nocturna como quem debica detalhadamente um pedaço de caminho, quero entregar-te a cidade pelos meus olhos, cansada, de madrugada, com alguns gritos de gaivotas a roubarem-lhe o silêncio, quero falar-te do candeeiro da rua debaixo, perpendicular à casa, a iluminar-lhe as janelas que daqui me parecem maiores que braços. depois, se ainda nos restar tempo, quero explicar-te como são lindas as heras, a cair nas rochas dos muros ao fundo da imagem e, se os meus olhos deixarem, caio contigo sob a luminosa quietude deste embaraço, por certo beijo-te um pouco os dias e sorrio enquanto te enlaço o passado e o escrevo ao para trás.

por: mar

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